domingo, agosto 10, 2008

Embaixador aposentado acusa atual gestão do Itamaraty de ter viés petista

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Do site do Ministério das Relações Exteriores

Noticiário - Seleção Diária de Notícias Nacionais - 5/Abril/2008

O Globo

Assunto: O País

Título: Embaixador aposentado acusa atual gestão do Itamaraty de ter viés petista

Data: 15/12/2007

Crédito: Alan Gripp

Procurado, ministro Celso Amorim se recusa a comentar acusações


Alan Gripp


BRASÍLIA. Um e-mail que circula há duas semanas com duras críticas ao ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, gerou mal-estar e tornou-se assunto polêmico no meio diplomático brasileiro. Trata-se de uma carta endereçada a Amorim, escrita pelo embaixador aposentado Marcio de Oliveira Dias, que representou o Brasil na Bélgica, no Paraguai e no Egito, entre outros países. Dias acusa o ministro de comandar o Itamaraty com viés petista e de romper com tradições históricas da instituição em nome de questões ideológicas.

Apelo para que Amorim reveja posições


No texto, Dias faz um apelo para que Amorim reveja sua postura, citando dois líderes petistas: o deputado cassado José Dirceu e o assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia. "(...) tomo a liberdade de sugerir que use essa inteligência para analisar com equilíbrio os rumos que sua gestão está dando à Casa. Para ver que o PT passará (e breve, espero), assim como passou o regime militar, mas que o Itamaraty deve permanecer. Os José Dirceus, os Marco Aurélio Garcias e outros sicários da vida são, felizmente, transitórios. O Itamaraty era, pensávamos, permanente".


Ao GLOBO, Dias explicou que se referiu, entre outros assuntos, ao posicionamento condescendente do Itamaraty com governos com traços de ditaduras na América do Sul.


- Há uma excessiva tolerância com a Bolívia e a Venezuela, movida por razões ideológicas. O que sempre moveu o Itamaraty, antes disso, foi o interesse nacional, que agora ficou em segundo plano - disse. - Nunca houve um esforço dessa maneira para pôr a Casa a serviço de um partido.


Dias disse que promoções no Itamaraty vêm sendo feitas com critério político, quebrando a tradição da instituição. Ele não citou nomes. Afirmou ainda que "nunca, em momento algum do Itamaraty, houve tantos embaixadores aposentados voluntária e precocemente", contrariados com os rumos da atual gestão. Ele mesmo pediu aposentadoria cinco anos antes da data compulsória.


Na carta, Dias critica duramente o comportamento de Celso Amorim após a morte do embaixador Mário Gibson Barboza, no fim de novembro. Ele diz que o ministro só manifestou-se na "undécima hora" ao participar de uma missa encomendada por amigos da família, na Candelária. E que, "pelas melhores tradições da Casa", a missa deveria ter sido uma iniciativa de Amorim. Dias especula que o comportamento de Amorim teria relação com o fato de Gibson Barboza ter sido ministro no regime militar.


As críticas também são direcionadas ao secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães.


"Lembro a vocês (Amorim e Guimarães) que a personalidade e a autoridade moral do falecido embaixador foram diretamente responsáveis pela manutenção da dignidade do Itamaraty naquele terrível período", diz um trecho da carta.

Carta foi escrita após morte de Gibson Barboza


O embaixador, de 69 anos, disse que resolveu escrever a carta depois da morte de Gibson Barboza. E que recebeu cerca de 50 mensagens de apoio, mas não uma resposta de Amorim. O ministro não comentou a carta. Em 29 de novembro, Amorim divulgou nota de pêsames pela morte de Gibson Barboza.


- Me irritou aquela palhaçada que fizeram. (Barboza) Foi o homem que negociou Itaipu. O Itamaraty desconheceu a sua morte. A única homenagem a Gibson feita em Brasília foi uma missa encomendada pela associação dos embaixadores - disse Dias.

Carta do Embaixador Márcio Dias ao Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim.

Meu caro Celso,

Como um grande número de colegas, acompanho com desaprovação mas em silêncio a maneira como você e Samuel Pinheiro Guimarães vêm conduzindo o Itamaraty.

Hierarquizados como somos, ainda acreditamos no velho bordão de que quem fala pela Casa é o seu Chefe. Assim, ao nos darmos conta, logo no início do Governo Lula, de quem iria dirigir a Casa nos próximos anos, muitos, como eu, preferiram aposentar-se a seguir na ativa sob uma direção de que fatalmente discordaríamos. A propósito, nunca em momento algum do Itamaraty, houve tantos Embaixadores aposentados voluntária e precocemente.

Certo, você já havia dirigido a Casa em outra ocasião, mas as circunstâncias eram totalmente diferentes, pois não só sua chefia era mais aparência que realidade (o que muitos dizem ser novamente o caso) , mas sobretudo o Presidente era outro. Não é o caso de concordar ou não com o Governo. Afinal, todos servimos ao país no tempo dos Governos militares, com os quais a grande maioria de nós não concordava. Mas servíamos ao Estado, nosso legítimo patrão, e não a partidos.

Com o Governo do PT e conhecendo a sua "flexibilidade", mais o viés ideológico do Samuel, vários, como eu, previmos o que estaria por acontecer e, com o espírito de disciplina da carreira, preferimos dela nos afastar, por estimarmos que viríamos a discordar frontalmente da maneira pela qual a Casa seria conduzida. Assim, eu, por exemplo, pedi minha aposentadoria mais de cinco anos antes da data compulsória.

Evidentemente não foi uma decisão fácil. Você sabe tão bem quanto eu o quanto significa para nós essa carreira, como nos dedicamos integralmente a ela. Mas absolutamente não me arrependo de havê-la deixado tão cedo, pois com meu temperamento seria muito difícil engolir calado a série de estripulias administrativas que vêm sendo praticadas. E que já se iniciavam com a falta de legitimidade do Secretário-Geral, que não preenchia os requisitos legais para ocupar o cargo (lembro que para que o pudesse ocupar foi necessária a anulação, por meio de um artigo espúrio de medida provisória que nada tinha a ver com o Itamaraty, da exigência de haver exercido chefia de missão diplomática).

Enfim, não vou entrar em pormenores dos vários atos que estupraram as tradições da Casa, pois você certamente os conhece muito melhor do que eu.

Quero ater-me a um episódio recentíssimo, o do falecimento do ex Secretário-Geral e Chanceler, e sobretudo grande Embaixador Mario Gibson Barboza. Sobre o qual você só veio a se manifestar na undécima hora, ao aderir, na véspera, à homenagem que vários amigos, eu dentre eles, lhe prestamos com uma missa hoje na Candelária, e que, pelas melhores tradições da Casa, deveria ter sido iniciativa sua.

Caso houvesse da sua parte ou da do Samuel alguma restrição pelo fato de Gibson ter sido o Ministro de Estado de um duríssimo Governo militar, lembro a vocês que a personalidade e a autoridade moral do falecido Embaixador foram diretamente responsáveis pela manutenção da dignidade do Itamaraty naquele terrível período. Devemos a Gibson, como a alguns dos outros colegas que bem dirigiram a Casa após 1964, o fato do Itamaraty haver sido preservado tanto quanto possível da violência do regime.

Creio que você – que sempre considerei dos mais inteligentes dentre os colegas – acabou tendo o bom senso de dar um freio na iconoclastia infantil que fazia com que o Itamaraty fingisse desconhecer o desaparecimento de um dos seus melhores nomes, e viesse, finalmente, a evitar uma grosseria inexplicável e a juntar-se ao preito que lhe rendíamos os colegas.

Pois, alentado por essa demonstração de juízo, tomo a liberdade de sugerir que use essa inteligência para analisar com equilíbrio os rumos que sua gestão está dando à Casa. Para ver que o PT passará (e breve, espero), assim como passou o regime militar, mas que o Itamaraty deve permanecer. Os José Dirceus, os Marco Aurélio Garcias e outros sicários da vida são, felizmente, transitórios. O Itamaraty era, pensávamos, permanente, com suas tradições, suas invejáveis e invejadas normas administrativas.

Que você, como parece ter feito no caso do Embaixador Gibson, use de sua inteligência para deter o processo de aviltamento das tradições da carreira.

O achincalhamento a que a atual gestão submeteu a organização e os bons costumes do Ministério vai demorar décadas para ser remediado. Mas, se você utilizar sua inteligência para deter de imediato o processo e começar, na medida do possível (sei que no quadro atual não deve ser tarefa fácil) a revertê-lo, talvez dentro de uns dez a vinte anos possamos pelo menos voltar a donde estávamos no final de 2002. E daí evoluir.

Atenciosamente (embora seja norma da Casa, não dá para usar "respeitosamente" com o Ministro de Estado que está, até o momento, presidindo ao seu desmoronamento ético e profissional).


Marcio de Oliveira Dias

Embaixador


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