por José Nivaldo Cordeiro
NIVALDO CORDEIRO: um espectador engajado
"A voz, quanto mais clara fica, mais dissonante soa"
Joseph Brodsky
Meus leitores têm acompanhado o que tenho comentado sobre a percepção pessoal de Lula sobre o problema do retorno acelerado da inflação no Brasil. Saberá também, se me acompanha a mais tempo, que em nada esse fenômeno é surpreendente, visto que as medidas governamentais que têm sido postas em prática, à exceção da política monetária executada pelo Banco Central, deslocada que está do corpo central da ideologia desenvolvimentista defendida pelos intelectuais do PT, levariam inevitavelmente a um quadro de crise como esse. Quero sublinhar aqui que a idiotia presidencial de forma alguma se deve à carência de formação especificamente econômica, embora não devamos esquecer que a ignorância lulista não se restringe a esse campo econômico, mas é generalizada: essa ignorância é uma sólida aquisição de sua intensa biografia, dedicada às palavras de ordem, às platitudes insossas e à propaganda política mentirosa, pura e simples. Lula nunca quis aprender coisa alguma e orgulha-se dessa ignorância militante.
Sua idiotia resulta de outra fonte, além da recusa a aprender. Fundamentalmente da construção de um mundo de sonhos paralelo à realidade, sobre o qual o presidente constrói as suas decisões e também o seu discurso político. Carência de formação não redunda necessariamente em idiotia; esta vem pela desconexão do real, posto em seu lugar um substituto onírico, uma realidade de faz de conta, um "como se assim fosse". Loucura!
E quando digo Lula digo também sobre todos aqueles que lhe cercam, que constituem a nova corte do poder: os burocratas do partido, os apoiadores de primeira e última hora, os empresários chapa-branca, a comunalha instalada nas universidades, nos jornais diários, nas emissoras de TV, no mundo artístico e editorial. A idiotia de Lula é espelho – se quisermos, é a ponta mais saliente e pública desse enorme monumento à ignorância que é o governo Lula – do abaixamento do nível civilizacional do Brasil. Que é acompanhado pelo abaixamento do nível moral também. O que me surpreende, sabedor que sou dessa estranha e perigosa supra-realidade que baliza a tomada de decisões vitais no plano coletivo, é que nossa sociedade ainda não mergulhou no abismo inevitável da desintegração. Certamente o descontrole inflacionário será a porta triunfal pela qual a crise colossal que eu espero vai se instalar.
Essa percepção pessoal do presidente é tanto mais mágica e trágica porque genuína. Lula acredita piamente no que diz e essa sinceridade está na raiz da empatia com que a população aceita sua percepção falsificada dos fatos. Essa falsificação é substituta da verdadeira realidade, à vista daqueles capazes de elaborar análises profundas. Lula encarna essa distorção da consciência coletiva e de fato tem a representação existencial dos brasileiros, pelo menos daqueles que caíram no canto de sereia dos revolucionários. Só um idiota poderia representar a multidão de idiotas. Contra todas as evidências em contrário os idiotas passaram a acreditar na abolição da lei da escassez, na eliminação do risco existencial, na mentira de que o Estado pode garantir vida boa e abundancia para todos que lhe fizerem genuflexão.
Irresistível recordar aqui a bela reflexão de Joseph Brodsky, em seu ensaio "O filho da civilização", no qual comenta a vida e a obra daquele que ele considera o maior dos poetas russos do século XX, Ossip Mandelstam (inserido no livro MENOS QUE UM, publicado em 1986 pela Companhia das Letras): "Quando um homem cria um mundo próprio, transforma-se num corpo estranho contra o qual se voltam todas as leis: a gravidade , a compressão, a rejeição, o aniquilamento".
Obviamente que quando as leis naturais se voltam contra um governante e seu povo insensato estamos diante de fatos trágicos da maior gravidade histórica. A bomba-relógio está ativada e não vejo mais como desativa-la. Haveremos de ter um encontro macabro com o destino.
Em outro ensaio, publicado no mesmo livro, este dedicado à heróica figura de Nadezhda Mandelstan, esposa e viúva (sublinho este fato porque importante, viuvez foi a característica das mulheres dos grandes homens russos naquela geração, pelo menos daquelas que tiveram a sorte – ou azar – de não perecerem junto com o marido assassinado) do grande poeta objeto do ensaio anterior, podemos ler:
"Por si mesma, a realidade não vale nada. E existe uma hierarquia entre as percepções (e, correspondentemente, entre os sentidos); as adquiridas através dos prismas mais refinados e sensíveis figuram no topo. O refinamento e a sensibilidade desses prismas vêm da única fonte possível: a cultura, a civilização, cujo instrumento principal é a linguagem. A avaliação da realidade feita através de um prisma como esse – cuja aquisição é uma das finalidades da espécie – é portanto a mais precisa, e provavelmente a mais justa. (Os clamores de 'Injustiça!' e 'elitismo!' que podem saudar a frase vindo logo das universidades devem ficar sem resposta, porque a cultura é 'elitista' por definição, e a aplicação de princípios democráticos na esfera do conhecimento nos levaria a considerarmos equivalentes a idiotia e a sabedoria.)"
Bem sabemos que nosso ilustre presidente não consegue falar direito a língua pátria e nenhuma outra, embora fale com loquacidade e eficiência à alma do povo idiotizado. Lula é o apedeuta por antonomásia. Aqui que mora o perigo: um cego guiando a multidão de cegos. Não me cabe fazer outra coisa que não rezar pelos enormes sofrimentos que nos esperam, na melhor das hipóteses. Na Rússia, terra de Brodsky e dos Mandelstam, já temos o balanço consolidado das tragédias que aconteceram, fruto desse descolamento da realidade. Eles são felizes, os russos, pois seus mortos já morreram, contados às dezenas de milhões, enterrados no altar elevado à estupidez. A matança ainda não começou por aqui, e nem a morte por inanição, e nem pelo frio, e nem pela miséria artificialmente fabricada pelos construtores de utopias. Não sei se é algo a comemorar ou a lastimar. Sei que os vivos, como registram as Escrituras, poderão ficar com inveja dos mortos de tempos
A idiotia de Lula é a idiotia de toda a gente brasileira.
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