NIVALDO CORDEIRO
07/06/2008
Cada vez mais sinto um clima de déjà vu no ar. Quando saio de casa ou ligo a tv é como se estivesse a viver as primeiras décadas do século passado, com seus crimes, sua proibição de consumo de bebidas alcoólicas e de cigarros, sua falta de vergonha e suas crises. O elemento faltante (ainda) é a explosão de violência, mas o governo de Israel já avisou que vai mandar o parque nuclear do Irã para o Diabo, no que fará muito bem, logo já temos o pavio aceso para a fogueira. Viva São João! E os discursos dos políticos também não nos deixam sossegar. Crises estão no ar, é ver o preço do petróleo, a taxa de câmbio, o preço dos alimentos. Desemprego e inflação estão na ordem do dia, lembrando-nos que não existe qualquer segurança no devir. Muito menos naquilo que depende do Estado. É a maldição do eterno retorno do mesmo para quem se distancia de Deus, nada há de novo debaixo do sol, como nos ensina as Escrituras.
Recordo-me dos filmes de Charles Chaplin. Ele, mais do que ninguém, marcou de forma indelével as primeiras décadas do século passado e prestou-se diligentemente a pregar as caras teses socialistas no seu trabalho artístico. TEMPOS MODERNOS, por exemplo, é uma ode contra o capitalismo. O próprio personagem do vagabundo sentimental e fraco, que no fundo supostamente esconde um ser forte, é a negação do que há de mais sagrado: nada de trabalho para ganhar a vida, tudo dará certo ao final, é poético viver na rua, roubar chega a ser virtude se você o faz para alimentar um garoto pobre ou uma moça cega (nem se cogita em trabalhar), a polícia (a ordem) será sempre ridícula e inimiga, os ricos serão sempre maus e egoístas. E a mão do destino sempre ajudará o pobre vagabundo, que ficará com a mulher mais bela e poderá acabar rico sem esforço.
É esse o enredo patético da obra de Charles Chaplin. A estética do Carlitos é profundamente revolucionária, bem de acordo com o espírito do século XX, que testemunha a inexorável revolução dos cretinos. As massas tomam o freio nos dentes e ousam chegar ao poder. No filme O GRANDE DIDATOR, paródia imortal de Hitler, Chaplin põe um reles barbeiro no centro de poder, fazendo aquele discurso melodramático no final. O homem-massa tornado governante, a sombra boazinha do ditador alemão. Hitler, Mussolini, Lênin, Mao, Roosevelt, Vargas e tantos outros não passam da expressão política do homem-massa no poder. Claro, os cretinos são o homem-massa, homem tornado criança a ser acalantada pelo Estado. É o tempo dos direitos sem qualquer senso de dever. Um tempo em que a liberdade pessoal corre perigo.
Um dos momentos marcantes da filmografia de Chaplin é a obra LUZES DA RIBALTA, não tanto pelo filme em si, propriamente, já tardio na vida do diretor, mas pela trilha sonora. A música-tema é muito sentimental e ganhou uma esplêndida letra no Brasil, feita por Antonio Almeida e João de Barro. Tentei descobrir a história dessa letra, mas nada consegui, nem mesmo o ano em que foi escrita. Os letristas foram de rara felicidade ao sintetizar a mensagem de Chaplin, de sua obra inteira, que em muito se confunde com a mensagem da revolução dos cretinos, a revolução socialista. Recordemos os versos, cuja versão mais conhecida é a breguíssima interpretação gravada por Moacir Franco:
LUZES DA RIBALTA
Vidas que se acabam a sorrir
Luzes que se apagam, nada mais
É sonhar em vão tentar aos outros iludir
Se o que se foi pra nós
Não voltará jamais
Para que chorar o que passou
Lamentar perdidas ilusões
Se o ideal que sempre nos acalentou
Renascerá em outros corações
Os dois primeiros versos revelam uma ética completamente materialista, bem própria dos tempos. “Vidas que se acabam a sorrir/Luzes que se apagam, nada mais”. A vida como um sonho mágico sem nenhum sentido, consumida como um queimar de velas da metáfora. Vagar nas ruas enquanto vagabundo ou morrer nas trincheiras (ou nos fornos) dava no mesmo. “É sonhar em vão tentar aos outros iludir/Se o que se foi pra nós/Não voltará jamais”. Há sempre um futuro radiante a nos esperar, mesmo que a vida se acabe como um apagar de velas, que a lógica não é o forte dos cretinos revolucionários. Se a revolução dos cretinos fracassar por algum motivo, não seja por isso, tentarão de novo, ainda uma vez. “Para que chorar o que passou/Lamentar perdidas ilusões/Se o ideal que sempre nos acalentou/Renascerá em outros corações”. O ideal aqui é o Mundo como Idéia que o brilhante Bruno Tolentino mostrou ser o moto desses tempos loucos. Os homens contemporâneos rejeitam a realidade como ela é, pouco importando os fatos. Sempre haverá um revolucionário de plantão para manter a chama acesa, da revolução e não da vida, bem entendido, que esta não vale nada para eles.
Toda essa divagação para falar do discurso de Medvedev por ocasião do Fórum Econômico de São Petersburgo, realizado ontem. O sonho dourado do materialismo moderno, seja ele liberal ou ateu, é a criação de um governo mundial, de um novo Império. A promessa desses milenaristas é eliminar o risco da existência por arte da política. Em troca da liberdade das pessoas prometem a eliminação das incertezas, mediante a engenharia técnico-social. Medvedev critica os EUA precisamente nisso, de não ser capaz de elimiar o risco existencial. "A disparidade entre o papel formal dos EUA no sistema econômico mundial e suas capacidades reais é um dos fatores fundamentais após a atual crise".
Declarou o governante russo: "É uma ilusão pensar que um só país, inclusive o mais poderoso, pode assumir o papel de Governo global, enquanto as instituições internacionais, encarregadas de responder pela política financeira, quase não dispõem de influência sobre a estratégia dos participantes do mercado". Deveria ter dito que é uma ilusão qualquer instância de poder querer eliminar os riscos, mas aí ele não seria um dirigente russo. O risco é a condição humana e não compete a governos eliminá-lo. Ao contrário, cabe aos homens fazer com que governos não se tornem eles mesmos o grande perigo, como tem sido desde que a revolução dos cretinos começou.
Medvedev completou: "Segundo algumas previsões, a atual crise pode repetir o caso mais grave na história da humanidade, quando uma série de países no espaço de alguns anos viram seu ritmo de crescimento reduzido em mais de 5% ao ano”. Sim, ele está certo, a crise é muito grave, mas ela acontecerá por causa dos governos e não a despeito deles. O dólar está na miséria que está porque a política monetária praticada nos EUA é keynesiana, o que quer dizer socialista, isto é, supõe que a instrumentalização da emissão de moeda pode gerar movimentos anti-cíclicos e mesmo o desenvolvimento econômico. Não pode, mas pode gerar e agravar as crises conjunturais. Certamente que a crise do dólar irá se transformar em uma crise mundial de largas proporções, talvez não dê tempo nem de passar as eleições presidenciais nos EUA, razão provável da inação do FED até agora. Os acontecimentos estão se precipitando com muita rapidez.
Medvedev não esconde a pretensão de querer "transformar Moscou em um centro financeiro internacional e o rublo em uma das principais moedas de câmbio da região". Nem bem o Império americano dá uma claudicada e o Urso começa a rugir. Quando escreveu o discurso Medvedev devia estar a ouvir a versão brasileira da música LUZES DA RIBALTA.
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