sexta-feira, agosto 15, 2008

Após terremoto, China busca comprar o silêncio dos pais enlutados

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Edward Wong

Em Hanwang, China

Tradução: George El Khouri Andolfato

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24/07/2008


A autoridade procurou Yu Tingyun em sua aldeia certa noite da semana passada. Ele pediu a Yu que entrasse em seu carro. Ele segurava um contrato e uma caneta.

A filha de Yu morreu em uma cascata de concreto e tijolos, uma entre os cerca de 240 estudantes de um colégio daqui que perderam suas vidas no terremoto de 12 de maio. Yu se tornou líder de um grupo de pais enlutados que exigia saber se a escola, como muitas outras, desabou por causa de má construção.


O contrato foi enfiado no rosto de Yu durante um longo interrogatório policial no dia anterior. Em troca de seu silêncio e por afirmar que o Partido Comunista do governo "mobilizou a sociedade para nos ajudar", ele receberia um pagamento em dinheiro e uma pensão.


Yu, um motorista magro e forte de 42 anos, resistiu naquele momento. Desta vez, ele pegou a caneta. "Quando vi que a maioria dos pais tinha assinado, eu também assinei", Yu disse calmamente. Ele carrega uma foto emoldurada de sua filha, Yang, em sua bolsa.


Os governos locais na província de Sichuan no sudoeste da China, que foi devastada pelo terremoto, iniciaram uma campanha coordenada para comprar o silêncio de pais enfurecidos cujos filhos morreram durante o terremoto, segundo entrevistas com mais de uma dúzia de pais de quatro escolas que desmoronaram. As autoridades ameaçavam que eles não receberiam nada caso se recusassem a assinar, disseram aos pais.


As autoridades chinesas prometeram uma nova era de abertura após o terremoto e nos meses que antecediam os Jogos Olímpicos, que começam em agosto. Mas a pressão sobre os pais é um sinal de que as autoridades estão determinadas a criar uma fachada de harmonia pública em vez de realizar qualquer investigação real sobre as alegações de que conduta ilegal contribuiu para o alto número de mortes no terremoto.


Funcionários do governo têm batido às portas dos pais dia e noite. Eles estão tão compenetrados em obter as assinaturas dos pais que, em um caso, um prefeito ofereceu pagar a passagem aérea de uma mãe que deixou a província para que ela pudesse retornar e assinar o contrato, disse a mãe.

Os pagamentos variam de acordo com a escola, mas são aproximadamente os mesmos. Os pais em Hanwang disseram que lhes foi oferecido o equivalente a US$ 8.800 em dinheiro e uma pensão para cada pai de quase US$ 5.600.


Rica com a receita de impostos após duas décadas de crescimento econômico de dois dígitos, a China tem usado sua força financeira para transformar Pequim e Xangai em vitrines arquitetônicas e para abrir portas diplomáticas na África e América Latina. Às vezes o Estado de partido único também age como uma corporação multinacional enfrentando um processo de responsabilidade por produto, oferecendo dinheiro para as pessoas com queixas na esperança de desarmar protestos públicos. A maioria das pessoas, presume o governo, no final colocarão o lucro acima do princípio.


A tática parece funcionar, incluindo nos casos das escolas que ruíram. Muitos pais dizem ter assinado o contrato, mesmo que ainda estejam descontentes com os termos e ainda enfurecidos com a falta de qualquer investigação real.


"A maioria dos pais se sente cansada disto", disse Liu Guanyuan, 44 anos, cujo filho de 17 anos morreu aqui, no desmoronamento da escola de ensino médio Dongqi, que também vitimou a filha de Yu. "Há um ditado chinês: as pessoas processam o governo, e o governo não se importa."


As autoridades também estão usando flechas mais tradicionais: policiais de choque dispersaram protestos dos pais; as autoridades montaram cordões de isolamento ao redor das escolas e ordenaram aos órgãos de imprensa chineses que parem de noticiar os desmoronamentos das escolas. Um defensor de direitos humanos que tentava ajudar alguns pais, Huang Qi, foi preso.


Os líderes dos governos locais têm prometido repetidamente esclarecer o motivo para o número descomunal de 7 mil salas de aula terem desmoronado durante o terremoto, matando 10 mil crianças. Mas há pouca evidência de terem conduzido mais do que o exame superficial e há alguns indícios de acobertamento. Mesmo enquanto prosseguem as negociações com alguns pais, os governos locais têm passado o trator nos escombros de muitas escolas, aparentemente impedindo uma investigação plena.


A questão permanece uma das mais delicadas enfrentadas pelo governo chinês. Muitos pais acusam as autoridades locais de negligência ou corrupção durante a construção de escolas. Alguns dizem ainda ter esperança de que o governo central agirá, e planejam ir até Pequim para impetrar petições após os Jogos Olímpicos.


"Nós não queremos criar problemas para o governo antes das Olimpíadas", disse Yu. "Nós não queremos prejudicar a imagem do país."


Yu estava entre os 11 pais e parentes de crianças mortas no colégio Dongqi que se encontraram com um repórter na segunda-feira, em uma casa de chá onde homens sem camisa jogavam mahjong. Eles disseram estar dispostos a correr o risco de conversar com os jornalistas na esperança de chamar a atenção do governo central.


Na semana passada, Yu e cerca de 10 pais foram detidos por policiais durante um protesto. Ele disse ter sido interrogado por 12 horas em uma delegacia na cidade vizinha de Deyang, enquanto outros pais que participaram do protesto, incluindo uma mulher grávida, apanhavam.


Uma mulher, Huang Lianfen, disse: "O governo local nos ameaçou com espancamento ou punição".


Huang, 33 anos, uma gerente de fábrica, é tia de um menino de 18 anos que morreu no desmoronamento de Dongqi. Huang disse que seu irmão, o pai do menino, foi detido pela polícia na semana passada e até o momento se recusa a assinar a contrato.


"Nós estamos pedindo não apenas indenização, mas também justiça", ela disse.


Na segunda-feira, um vice-prefeito de Deyang, Zhang Jinming, se encontrou com os pais de Hanwang e entregou a conclusão da investigação de sua prefeitura, disseram os pais. A escola, ele disse, ruiu apenas por causa do terremoto. Ele disse que o caso agora estava encerrado.


Os gabinetes públicos na província de Sichuan e de Deyang ignoraram os telefonemas do repórter em busca de comentários. Uma mulher que atendeu ao telefone na sede da polícia em Deyang disse não estar ciente do protesto e detenção da semana passada.


O "New York Times" obteve uma cópia do contrato de indenização oferecido aos pais de Hanwang. Ele foi redigido como se os pais estivessem suplicando por dinheiro a um governante beneficente.


"De agora em diante, sob a liderança do partido e do governo, nós obedeceremos a lei e manteremos a ordem social", ele diz. "Nós agora prometemos de forma resoluta não participar de qualquer atividade que perturbe a reconstrução pós-terremoto."


Outro trecho é cheio de elogios ao Partido Comunista: "Um desastre natural é impiedoso, mas o mundo está cheio de amor. O partido e o governo estenderam suas mãos para nós e mobilizaram a sociedade para nos ajudar e aliviar nossas dificuldades. Neste sentido, nós apreciamos sinceramente a ajuda e os cuidados do partido, governo e sociedade!"


O contrato não declara o valor do pagamento, que as autoridades discutem oralmente, disseram os pais.


Um pai, Ye Liangfu, disse ser injusto que os pais de estudantes colegiais não recebam mais do que os pais de crianças pequenas que morreram. "Os pais das crianças na pré-escola que morreram, eles são jovens, eles podem ter outro filho", ele disse.


Outros pais aos quais foi pedido que assinassem um contrato representavam a escola primária Xinjian, em Dujiangyan, a escola de ensino médio Juyuan, em Juyuan, e escola primária Fuxin Nº 2, em Mianzhu. Centenas morreram nestas escolas. Em cada caso, como aqui em Hanwang, os prédios ao redor da escola permaneceram em pé.


"Eu ouvi que a maioria dos pais em nossa escola assinou", disse Wang Lan, cujo filho de 8 anos morreu no desmoronamento de Xinjian. "Nós pais não podemos fazer nada a respeito. Estamos impotentes."


Wang está morando com uma tia na província de Guangdong. Ela disse em uma entrevista por telefone que o prefeito de sua cidade, perto de Dujiangyan, já telefonou várias vezes para ela para pedir que volte de avião até 25 de julho para assinar o contrato, que é de US$ 10 mil em dinheiro e um valor não informado de pensão.

Ela disse ao prefeito que a passagem aérea era cara demais.


"Se for cara demais, eu reembolso você quando voltar, nem que seja do meu próprio bolso", disse o prefeito, segundo Wang. Ele até mesmo ofereceu enviar um carro para buscá-la no aeroporto, ela disse.


"Eu acho que o governo provincial deve estar pressionando muito o governo local", disse Wang. "Eles estão muito nervosos e nos pressionando para assinarmos urgentemente o contrato."


Wang disse que foi informada que os escombros da escola primária Xinjian seriam removidos até 1º de agosto.


Outras escolas já sofreram este destino. Em 19 de julho, os escombros da escola primária Fuxin Nº 2 foram removidos, disse Zhang Longfu, cuja filha morreu lá.


"Todos os pais da escola assinaram o acordo, apesar de não estarmos muito satisfeitos com ele", disse Zhang. "Nós ainda estamos pensando em apresentar uma petição mais adiante."


Vários pais de Fuxin se recusaram a ser entrevistados, um sinal de quão eficaz são as táticas de intimidação do governo. Estes pais antes estavam entre os manifestantes mais veementes. Uma foto de vários deles carregando retratos de seus filhos mortos e gritando contra uma autoridade de joelhos se tornou ícone após o terremoto.


Os pais de Hanwang disseram que também estavam preocupados com a remoção dos escombros da escola Dongqi antes da realização de uma investigação real.


Antes do entardecer na segunda-feira, Yu caminhou ao longo do rio, passando pelo muro leste da escola. Espiando por sobre o muro, era possível ver pilhas de tijolos e concreto espalhados por todo o terreno. Yu apontou para as poucas ruínas ainda em pé do prédio principal. A classe de sua filha ficava no quarto andar.


"Nós podíamos escutá-los sob os escombros", ele disse. "Nós lhes dávamos leite e água, mas foi inútil."


Ele fumou e olhou para os escombros.


Foi perguntado a ele se os pais tentariam protestar de novo. "Não ousaríamos", ele disse.

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