Senhor Redator,
Com relação ao artigo de domingo 02 de março, "Memórias de um seqüestro que abalou Brasil e o Uruguai", a aparentemente simpática e singela estorinha do contador David Cámpora , seqüestrador e terrorista aposentado, convenientemente omite que meu sogro, o Embaixador Aloysio Gomide, foi violentamente arrancado do convívio dos seus e que, para tal, ainda ameaçaram seu filho de três anos com uma arma na cabeça. Recebeu coronhadas, foi drogado e levado a seus cativeiros, todos eles subterrâneos, permanecendo por sete meses de pijama, trancado em um cubículo com paredes forradas com jornais e infestado de baratas, sem ver a luz do sol.
Sofreu dois fuzilamentos simulados, e era constantemente ameaçado de morte por seus carcereiros.
Sua libertação foi resultado da intensa campanha realizada por minha sogra, Dona Apparecida Gomide, uma dedicada dona de casa e mãe de família que, tirando forças não se sabe de onde, saiu à luta por seu marido. Com a ajuda dos apresentadores Flávio Cavalcanti e Abelardo Barbosa, o Chacrinha, e outros amigos, antigos e novos, conseguiu levar seu desesperado grito por socorro ao povo brasileiro. Mulher religiosa e destemida, jamais esmoreceu na intransigente defesa de seu marido, sendo importuna e inconveniente com Ministros de Estado e com outras autoridades do governo de então, no Brasil e no Uruguai, mesmo com o Presidente Médici. Sua presença e insistência, constante e veemente, era um problema para aqueles que queriam esquecer a situação de seu marido. Alguns conhecidos faziam o possível para evitar serem vistos com ela em face da repercussão do caso.
Por sua conta fez contatos com os seqüestradores. O resgate foi pago com as generosas contribuições do povo brasileiro, inclusive dos mais humildes, e com as parcas economias de uma família de classe média com seis filhos pequenos. O dinheiro foi recolhido, transportado e posto nas mãos dos terroristas por leais amigas de D. Apparecida.
Durante seus sete meses de cativeiro meu sogro, em estrita honra a seu dever de diplomata brasileiro, jamais se manifestou em contra de seu governo, apesar de constantemente instado e ameaçado por seus seqüestradores. Pude ler as cartas da época à sua mulher. Sabedor que a morte o esperava, pois seu companheiro de cela Dan Mitrione fora assassinado, preocupava-se muito com a situação de sua família sem a sua presença.
Homem profundamente religioso, jamais foi acometido pela desesperança ao longo dos sete meses de seu cativeiro subterrâneo. Seu silêncio, mesmo depois de 37 anos, é o protesto de alguém que superou a barbaridade que lhe foi imposta e que prefere recolher-se ao seio de sua família, em vez de manifestar sua indignação quando terroristas da época são tratados como heróis por representantes do povo que pagou por seu resgate. Por exemplo, quando a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro homenageou, em meados dos anos 80, o terrorista-chefe dos Tupamaros, Raul Sendic.
É ultrajante que parte de nossa história seja esquecida, omitida ou convenientemente deturpada para se adequar à torta ideologia em moda. Fatos são orwellianamente "ajustados" para criar uma realidade alternativa. Quando vítimas, alegadas vítimas e pseudo-vítimas da ditadura estão sendo compensadas com indenizações milionárias e com generosas pensões - com direitos até para não nascidos - como ficam os que sofreram as conseqüências do terrorismo?
Por esses motivos, a bem de esclarecer as novas gerações sobre a realidade do ocorrido, ou pelo menos para que tenham uma pontada de dúvida ao ler relatos históricos de terroristas, é que evidencio esses fatos.
Atenciosamente,
José Ricardo da Silveira
Foz do Iguaçu
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