quinta-feira, agosto 14, 2008

Racialismo binário

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Hélio Duque

Doutor em Ciências Econômicas, pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Foi deputado federal (1978-1991).

20/04/2008
http://www.parana-online.com.br/noticias/colunista.php?op=ver&id=342699&caderno=13&colunista=175

O escritor e respeitado intelectual Ferreira Gullar, em texto marcante, fez importantes indagações sobre a teoria do racialismo, em franco desenvolvimento no Brasil. Ele pergunta: “Designar negros e pardos como afro-brasileiros significa que brasileiros são só brancos? E se esses passarem a se chamar euro-brasileiros, árabes-brasileiros ou nipo-brasileiros, o que restará como povo brasileiro, os índios? E se estes disserem que são anteriores à criação do Brasil?”

O alerta de Gullar é muito oportuno, já que o Congresso Nacional deve debater e votar, neste ano, o Estatuto da Igualdade Racial, que como está elaborado, vai instaurar o racialismo estatal no Brasil. Determinando identidades aos cidadãos, ao promover a departamentalização étnica, transplantando, no que chamam de politicamente correto, o modelo racial criado e mantido pela sociedade norte-americana. “One drop rule” é o padrão definidor das origens étnicas nos Estados Unidos. Significa que basta uma gota de sangue para o homem ou a mulher ser considerado negro. O conceito binário de branco e negro vigorante nos Estados Unidos está explícito no projeto a ser votado pelos parlamentares brasileiros. Não admite e nem reconhece a existência de mestiços.

Nos seus fundamentos equivocados, não aceita a diversidade étnica presente na sociedade brasileira. Não existiriam morenos, mulatos, jambos, sararás e afins no Brasil, fruto da miscigenação democrática que plasmou ao longo da história a identidade étnica dos brasileiros. Aceitar a bipolaridade, dividindo o País entre brancos e negros, copiando o modelo racial norte-americano, é uma agressão à sociedade brasileira que não concorda com a introdução de um racialismo anacrônico.

O antropólogo Antonio Risério, além de sólida formação, é um militante político e nessa condição foi assessor importante nas duas eleições de Luiz Inácio Lula da Silva. Ele acaba de lançar A utopia brasileira e os movimentos negros, livro oportuno onde questiona os equívocos da política oficial. Para Risério, os governos José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e Lula, mal assessorados, baixaram decretos ou adotaram posturas racialistas. É uma obra que vem em boa hora e deveria ser leitura obrigatória para os parlamentares do Congresso Nacional que vão votar o Estatuto da Igualdade Racial. A democracia brasileira não pode ser engessada por barreiras étnicas.

O pensamento de Antonio Risério é instigante e provocador, como pode ser observado no que se segue:

1. “Nós somos mestiços. Este é um dado objetivo, biológico. Além disso, a existência de seres mestiços é socialmente reconhecida em nosso ambiente, ao contrário do que vemos dos Estados Unidos, onde o próprio censo demográfico não permite que um mulato se defina como tal. Ele é obrigado a ser negro, como o queriam os senhores escravagistas das plantações dos estados do Sul.

No Brasil a ideologia da mestiçagem foi produzida, desde o século XIX, a partir de uma perspectiva senhorial. Reagindo, os movimentos negros escolheram o caminho mais fácil, e ao mesmo tempo, mais falso. Copiaram o padrão binário em vigor nos Estados Unidos, que é o único País do planeta que não reconhece a existência de mestiços de brancos e negros”;

2. “Nenhum japonês, árabe, judeu, etc., fica por aqui impunemente, por mais de uma geração. São todos, sobretudo, brasileiros, sem se sentirem obrigados a renunciar a práticas ancestrais de cultura. Nós temos um precioso know-how de relacionamentos interétnicos e interpessoais. E isso é o que interessa. É uma ilusão simplesmente fechar os olhos para as trocas genéticas e decretar em panfletos e manifestos, que não temos mais mestiços no Brasil”;

3. “Só existiriam negros e brancos, o que é historicamente insustentável e sociologicamente absurdo. Não só porque há milhões de morenos e mulatos no Brasil, de Luiza Brunet a Camila Pitanga, como temos filhos de negros e índios, a exemplo de Garrincha. Fazer de conta que não somos mestiços é se condenar a não entender o Brasil. As grandes divisões sociais brasileiras não dizem respeito somente à cor da pele. Nem todos os negros são pobres e nem todos os pobres são negros”;

4. “Quer enquadrar mesmo a questão social brasileira? Vamos então ampliar a igualdade de oportunidades, educar, propor políticas para o mercado. Chega de profissionais da negritude. Sejamos sensatos, sejamos sérios.”

O Congresso Nacional, mesmo com a sua limitação para debater a questão, deve enfrentar essa realidade com responsabilidade e bom senso. Não podemos fundamentar o futuro em diferenças, mas buscando solidificar políticas públicas universalistas. Além de Antonio Risério na obra citada, outra grande contribuição para os parlamentares brasileiros seria o livro do senador norte-americano Barack Obama, A audácia da esperança, e meditarem nessa sua reflexão: “Qualquer estratégia para reduzir a pobreza tem de estar centrada no trabalho, não em assistencialismo. Não somente porque o trabalho provê independência e renda, mas também porque provê ordem, estrutura, dignidade e oportunidade para o crescimento na vida das pessoas.”

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