quinta-feira, agosto 14, 2008

Entre a fartura e a miséria

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por Paulo Brossard
*Jurista, ministro aposentado do STF
Zero Hora (RS) - 28.04.2008

Está começando a acontecer o que eu temia. O presidente eleito do Paraguai abraçou a tese que pretende a revisão do Tratado de Itaipu, que vinha sendo chocada em alguns setores do país vizinho e veio à tona. Um pacto pode ser alterado, mas dificilmente pode ser modificada uma grande barragem, que seja seu fruto. Trata-se de um ajuste que tinha como escopo construir enorme barragem e pôr em funcionamento usina instalada durante certo tempo e nas condições preestabelecidas. De modo que não se trata apenas de revisar uma convenção, mas de alterar cláusulas que visam à execução do pactuado no que tange a seu funcionamento, assim como à amortização do investido para a concretização do projeto que uniu dois países vizinhos. Conhecido o resultado da eleição, não demorou que o assunto voltasse em termos de cobrança. E como vem sendo freqüente, as declarações de autoridades brasileiras a respeito vem sendo imprecisas, inseguras e incorretas. Em outras palavras, não lembram o estilo do Itamaraty, que desde muito havia conferido ao Ministério das Relações Exteriores o prestígio alcançado, dentro e fora do país. Muita gente falando ao mesmo tempo e de maneira desconexa. De mais a mais, tem sido lamentável a forma dissoluta entre palavra e ação empregadas, em relação a situações criadas por alguns de seus vizinhos. Essa bastardia diplomática estimulou temerários e poderá incentivar outros. O fato é que os ´hermanos´ têm sido promotores de sérios agravos aos interesses do Brasil, solenemente celebrados, e complacentemente tolerados pela nossa parte.

Passo a outro tema. Fatos recentíssimos revelaram que dos 25 mil homens de que o Exército dispõe para a defesa da Amazônia, apenas 240 têm o dever de cuidar por mais de 2 mil quilômetros de fronteira e destes só 17 para proteger uma faixa de 1.385 quilômetros no extremo norte do Pará, apontada como o ponto mais fraco do nosso sistema de defesa. A pobreza aí chega à carência plena a caracterizar a miserabilidade. Ocorre que naquele rincão ermo foi criada uma reserva indígena de 1,7 milhão de hectares contínuos. Essa área não fica distante daquela em que estanciaram as Farc, cujos desígnios são conhecidos e conhecidos seus métodos. Contudo, com desusada energia externou-se o presidente da República ao afirmar que a integralidade da reserva seria mantida. Chamou a atenção que a mesma energia presidencial não tivesse sido usada quando bens de brasileiros, inclusive da Petrobras, foram tomados de seus titulares; a complacência brasileira teria sido evangélica; era como nos tempos da ´ocupação pacífica´, em que tudo foi permitido. O certo é que enquanto o presidente da República se pronuncia dessa maneira, o Comando Militar da Amazônia não oculta sua preocupação, para dizer o mínimo, diante dos riscos ali pendentes, não será necessário grande esforço para imaginar a amargura e o desconforto do comandante militar da Amazônia, tendo em vista a modéstia dos seus recursos em contraste com a enormidade de suas responsabilidades nacionais; basta notar que entre dois pelotões existentes medeiam 400 quilômetros!

Não devo, não quero e não posso contribuir para o agravamento dessa situação calamitosa e por isso não posso, não quero e não devo silenciar em face de situação tão grave e cheia de riscos.

O presidente da República, outro dia, disse em uma de suas eloqüentes orações pela TV, que ele elegeria seu sucessor, pode ser que sim, pode ser que não, mas me parece oportuno lembrar que entre as atribuições presidenciais não está a de eleger o seu sucessor, mas entre elas está a de zelar pela integridade nacional, sua paz interna e seu progresso. E nesse sentido sua responsabilidade é intransferível. Não sei se o respeitado comandante militar da Amazônia não terá, entre triste e revoltado, demorado uma fração de tempo entre a miséria de seus recursos e a fartura ensejada pelos ´Cartões Corporativos´. Afinal era mesmo necessária alguma economia na fronteira amazônica para que mais de 10 mil bem-aventurados tivessem no bolso o benfazejo cartão.

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