sábado, agosto 09, 2008

CADÊ A TRANSPARÊNCIA, MINISTRO TARSO GENRO?

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Por João Batista Pereira Vinhosa

joaovinhosa@hotmail.com

Na esteira da crise dos cartões corporativos, uma declaração de V. Exª. gerou polêmica: em vez de ser criticado pela farra dos cartões, o Governo Lula deveria era ser elogiado pela alta transparência demonstrada no tratamento da coisa pública.

Diante de tamanha apologia da transparência, senti-me estimulado a cobrar, por meio desta carta-aberta, escrita em 09/03/08, uma resposta à carta que lhe encaminhei em 10/12/07 e distribui amplamente na Internet sob o instigante título “POR QUE TE CALAS, MINISTÉRIO DA JUSTIÇA?”. Afinal, é inconcebível que um ministro seja um fervoroso adepto da transparência e o ministério sob seu comando se omita nas ocasiões em que é contundentemente acusado.

Há muito, eu acuso o Ministério da Justiça de, deliberadamente, descumprir o Acordo de Cooperação Brasil-Estados Unidos para combater cartéis. Acuso e alerto que tal procedimento poderá prejudicar a reputação do Brasil no cenário internacional. Acuso e pergunto: como pode - um país que não zela nem mesmo pelo cumprimento de acordos de cooperação firmados com paises amigos - ser respeitado na comunidade internacional e ter, inclusive, a pretensão de se candidatar ao Conselho de Segurança da ONU?

Ora, Excelência, considerando que prejudicar a reputação do Brasil no cenário internacional é falta grave (a ponto de ser usada como pretexto para a ridícula tentativa de expulsão do correspondente do New York Times que noticiou exageros etílicos do Presidente Lula) como pode o Ministério da Justiça - o responsável por zelar pelo cumprimento do referido Acordo - continuar omisso diante de minhas acusações?

Sei que corro o risco de ser processado devido à maneira franca, aberta e dura utilizada em minhas acusações. No entanto, apesar de um eventual processo poder acarretar-me uma série de transtornos, acho que os mesmos serão compensados, pois terei a oportunidade de provar perante um tribunal as mazelas do Ministério da Justiça de nosso país.

A propósito, a equipe de seu antecessor, Ministro Márcio Thomaz Bastos, encaminhou-me cópia de um extenso documento por meio do qual sugeria ao Ministro que eu fosse processado pela Advocacia Geral da União. Infelizmente, ficaram só na ameaça, o que dá direito a qualquer pessoa dotada de mediana capacidade de discernimento especular se tal documento não foi apenas uma tentativa de me intimidar.

Senhor Ministro, conforme pode ser facilmente constatado, eu tenho acusado o Ministério ora sob seu comando de interpretar de maneira impressionantemente errada os termos do Acordo acima citado. Tenho acusado, baseado na argumentação do próprio Ministério da Justiça para justificar sua decisão de não notificar as autoridades norte-americanas sobre as investigações que aqui estão sendo realizadas contra o “Cartel do Oxigênio”.

Também, pode ser constatado que eu tenho acusado o Ministério da Justiça de, literalmente, avacalhar o Acordo. Avacalhar o Acordo, Excelência, ao interpretar que o mesmo “faculta” ao Brasil notificar os Estados Unidos sobre as investigações que aqui estão sendo realizadas contra o “Cartel do Oxigênio”. Na realidade, por meio do Acordo, as partes se comprometem a notificar, uma à outra, sobre as investigações que estejam realizando contra cartéis cujos integrantes também atuem na outra parte.

Veja bem, Senhor Ministro: o Brasil não necessita nenhum Acordo que lhe “faculte” notificar outro país sobre investigações que aqui estamos realizando. De um modo geral, temos a faculdade de passar a qualquer país informações sobre quaisquer investigações que estejamos realizando. Assim como os Estados Unidos nos passaram informações sobre o “Cartel das Vitaminas” em 1999 - anos antes da existência do Acordo em questão.

Para seu conhecimento, Excelência, em 16/06/06, recebi do Presidente da OAB, Dr. Roberto Busato, o Ofício nº. 182/2006GPR, informando-me que repassou ao então Ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos a grave correspondência que a ele encaminhei em 01/03/06.

Leia referida correspondência, Excelência. Leia, também, a carta a ela anexada. Tal carta foi por mim encaminhada à Embaixada dos Estados Unidos em 22/02/06. Nela, alerto as autoridades norte-americanas sobre as distorcidas interpretações do Ministério da Justiça relativamente ao Acordo.

Responda com toda a franqueza, Ministro Tarso Genro: Calar-se diante de tais acusações tira, ou não tira, a credibilidade de um Ministro da Justiça para falar sobre transparência?

Lendo os documentos acima citados, V. Exª. constatará um fato da maior gravidade: há anos venho acusando que - por se recusar a notificar os Estados Unidos sobre as investigações que aqui estavam sendo realizadas contra o “Cartel do Oxigênio” - o Brasil estava descumprindo deliberadamente o referido Acordo de Cooperação, que foi promulgado pelo Decreto nº. 4702 de 21/05/03, depois de aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº. 154 de 26/06/02.

V. Exª. constatará, também, que, em todas as oportunidades, eu chamei a atenção das autoridades para o fato de ser absolutamente inquestionável a clareza do Acordo: uma parte se comprometia a notificar a outra “tão logo possível” sobre as investigações que estivesse realizando contra um cartel cujos integrantes atuassem também na outra parte. Igualmente, eu não deixei de chamar a atenção das autoridades para o fato de as multinacionais acusadas de integrarem o “Cartel do Oxigênio” - AGA, WHITE MARTINS, AIR LIQUIDE e AIR PRODUCTS - dominarem, também, o mercado norte-americano.

Constatará, ainda, que, após ter alertado diversas autoridades sobre a necessidade de o Brasil notificar os Estados Unidos a respeito das investigações que aqui estavam sendo realizadas contra referido cartel, em 30/11/04, encaminhei um documento ao Representante do Ministério Público Federal junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), originando o processo nº. 1.16.000.002028/2004-06, que já se encontra tramitando na Procuradoria da República do Distrito Federal há mais de três anos.

Em referido processo, Excelência, salientei que era preocupante a interpretação dada aos termos do Acordo pelo então titular da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE), Daniel Goldberg. Segundo Goldberg, o Acordo “faculta às partes soberanas notificar uma à outra a respeito de investigação” e “não havendo indícios de que os supostos cartéis tenham sido perpetrados também em território americano, incabível a notificação de que trata o Acordo Internacional mencionado”.

Será, Ministro Tarso Genro, que não passou pela cabeça do então titular da SDE que a notificação da qual trata o Acordo é muito mais importante exatamente nas ocasiões em que não existam sequer indícios que o cartel esteja atuando na outra parte? Explicando melhor: para o Brasil, foi mais importante receber informações dos Estados Unidos sobre o “Cartel das Vitaminas” (que, à época, ainda não estávamos investigando) do que se tivesse recebido, agora, informações sobre o “Cartel do Oxigênio” (que já está sob investigação). Isso é uma coisa tão óbvia, Senhor Ministro, que é inadmissível ser atribuída a uma eventual falta de capacidade de discernimento de citado Secretário.

Além disso, uma pergunta torna-se inevitável, Senhor Ministro: como teria conhecimento, o Secretário Goldberg, de indícios da atuação de cartéis em território americano? Lendo o New York Times?

Obviamente, não.

A única maneira confiável de se tomar conhecimento de indícios da atuação de cartéis nos Estados Unidos seria por meio de informações encaminhadas pelas autoridades norte-americanas às nossas autoridades.

Porém - considerando válido o comprometedor entendimento da SDE - é “incabível” o encaminhamento de informações pelas autoridades norte-americanas devido ao fato delas não terem conhecimento de indícios de que o cartel esteja atuando no Brasil. E elas não têm conhecimento por que a SDE não as informou sobre as investigações aqui realizadas. Mas a SDE não as informou porque elas não haviam informado às autoridades brasileiras sobre os indícios da atuação do cartel nos Estados Unidos. Assim sendo, por conta desse “nó burocrático”, os consumidores dos dois países continuam sendo explorados pelos integrantes do “Cartel do Oxigênio”.

Analisemos a seguir a afirmativa do Secretário Goldberg segundo a qual o Acordo “faculta às partes soberanas notificar uma a outra a respeito de investigação”.

Ora, o Artigo II do Acordo preceitua taxativamente: “Cada parte deverá, com as ressalvas do Artigo IX, notificar a outra parte”. E o Artigo IX explicita as duas únicas e especialíssimas situações que desobrigam uma parte a notificar a outra: “se o fornecimento de tal informação for proibido, segundo as leis da parte detentora da informação, ou for incompatível com os importantes interesses daquela parte”.

Fica, assim, demonstrado que o entendimento do Secretário Goldberg segundo o qual o Acordo “faculta” notificar é preocupantemente distorcido. Além do mais, é óbvio que o Congresso Nacional e o Presidente da República não iriam aprovar e promulgar um Acordo deixando seu mais importante aspecto (a notificação à outra parte sobre a existência de investigações em nosso país) ao livre arbítrio do burocrata de plantão.

Senhor Ministro, estas foram, em linhas gerais, as acusações que tenho feito contra o Ministério da Justiça relativamente ao descumprimento do Acordo Brasil - Estados Unidos. A seguir, vejamos algumas das investigações em curso contra o “Cartel do Oxigênio”.

Uma das investigações deu origem a uma cinematográfica Operação de Busca e Apreensão feita nas dependências das empresas acima citadas em fevereiro de 2004, após dezenas de horas de gravações telefônicas autorizadas pela Justiça. Com base nas informações obtidas, a SDE instaurou o Processo Administrativo nº. 08012.009888/2003-70.

Outro processo que tramita na SDE com o objetivo de apurar ilícitos do “Cartel do Oxigênio” é o de nº. 08012.009418/2003-14, que trata da atuação do Cartel contra o Hospital Central do Exército - HCE. A Representação que o originou é de novembro de 2003.

E o que fez a SDE com a Representação referente ao HCE? Apensou-a a uma outra Representação que já estava rolando no Órgão desde fevereiro de 2000 e havia originado a Averiguação Preliminar nº. 08012.001075/2000-18 (referente a atuação do “Cartel do Oxigênio” para fraudar licitação realizada pelo Hospital Universitário de Brasília-HUB).

Senhor Ministro, diante dos documentos em poder do Ministério da Justiça, uma simples determinação sua poderá desfechar um duro golpe no “Cartel do Oxigênio” - uma organização criminosa que tem entre seus objetivos o mais hediondo dos crimes praticados contra o erário: o superfaturamento de preços contra nossos combalidos hospitais públicos. Basta cumprir o que determina o Acordo e notificar os Estados Unidos.

E não se alegue que a existência de um processo judicial no qual questiona-se a legalidade da citada Busca e Apreensão está impedindo notificar as autoridades americanas. Os casos do HCE e do HUB estão sob investigação e justificam a notificação em questão.

Uma palavra final: determine, Ministro Tarso Genro, uma clara manifestação do Ministério da Justiça sobre os casos envolvendo o “Cartel do Oxigênio”, ou não se exponha elogiando a transparência no Governo Lula, sob pena de ter sua credibilidade aniquilada.

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