sábado, agosto 09, 2008

"Repúdio de Gisele Bündchen ao dólar ecoa como berrante estourando a boiada",

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20/11/2007

por Antonio Machado

Jornalista, colunista do Correio Braziliense e do Estado de Minas, editor do site Cidade Biz e presidente do Instituto Talento Brasil

Fonte: site Cidade Biz

"Naufrágio da economia dos EUA pela débâcle da moeda seria como o do Titanic, um horror."

Uma pequena, singela nota sobre as finanças pessoais da top model Gisele Bündchen, atual número 1 do mundo nas passarelas e nas mais caras campanhas publicitárias globais, teve o poder de demonstrar, com a crueldade de um gélido financista, o que todos sabem e temem dizer com exatidão: o dólar está gravemente enfermo. É crescente o mal estar em torno da principal moeda usada no mundo como reserva de valor e meio de pagamento aceito sem restrições onde se esteja.

Com a mesma naturalidade de sua beleza, Gisele, segundo Patrícia, sua irmã e empresária, decidiu rejeitar o dólar e passar a exigir apenas euros de seus patrocinadores - como Dolce & Gabanna, para promover o perfume The One, e a Procter & Gamble, para estrelar a nova campanha da linha de xampus Pantene. “Não sabemos o que vai acontecer com o dólar”, justificou Patrícia.

A bela faturou este ano, só até junho, US$ 30 milhões, e desde julho, em quatro curtos meses, já perdeu, pela desvalorização do dólar, 8,3% de seu dinheiro. A nota saiu em Veja no início do mês, e passaria despercebida se grandes financistas globais, sobretudo dos EUA, também não estivessem largando o dólar. E se lá atrás, em 1978, a cantora e comediante Bette Midler não tivesse exigido para excursionar à Europa que seu cachê de US$ 600 mil fosse pago em krugerrand, moedas de ouro da África do Sul - uma atitude que mais tarde seria interpretada como premonitória da débâcle da moeda.

Com tantos maus presságios, a decisão de Gisele foi pescada pelo blog de um analista de Wall Street, pautou a Bloomberg, entrou no noticiário do Financial Times, a bíblia das finanças mundiais, e aí não parou mais. Ontem estava num jornal de Taipei, de Taiwan. E já foi publicada em Moscou, Shangai, Lima... Nem quando namorou Leonardo DiCaprio a top brasileira teve tanto espaço de mídia.

Males da moeda dos poderosos, o último “império” mundial. Com o real, depois da maxidesvalorização de 1999, ocorreu o que ocorre hoje com o dólar - com a diferença de que aqui foi deliberado e lá ninguém assume. Todo mundo aplaudiu porque era o que restava fazer para tirar o país da insolvência externa: promover as exportações e encarecer as importações.

Nos EUA, país com déficit comercial do tamanho de quase um PIB do Brasil, suspeita-se de que seja isso o que pretende o governo Bush. Mas não pode dizer por razões para lá de compreensíveis: a riqueza do mundo está estacionada no dólar.

O Titanic americano

O dólar circula no mundo tanto quanto nos EUA, além do que, sem o dinheiro dos investidores globais e, mais relevantes que eles, dos bancos centrais dos países superavitários, a conta não fecha. Nem que quisesse o FMI estaria preparado para resgatá-los. O naufrágio da economia dos EUA seria como o do Titanic, um horror.

É o que leva o Tesouro americano e o Federal Reserve a aplicar à crise financeira precipitada pelo estouro da bolha das hipotecas a política do “não pergunte, não queira saber”. Os governos da União Européia, que mais está levando na cabeça pela valorização do euro frente ao dólar - e, mais ainda, ao yuan, moeda da China -, também fingem que o bicho é menos feio que parece. Teme-se que atitudes a la Gisele Bündchen ecoem como um berrante estourando a boiada.

Nó chinês e saudita

Um dirigente do governo chinês, país que acumula reservas de US$ 1,4 trilhão, maiores do mundo, que as construiu para manter o yuan desvalorizado e sustentar os déficits dos EUA, foi escalado semana passada para advertir que a China poderia diversificar o destino de seus superávits. Os países árabes exportadores de petróleo, que colam suas moedas ao dólar, como a Arábia Saudita, já manifestaram também seu desconforto e ameaçam mudar para o euro.

Mas o que eles podem fazer? Se a China piscar, o dólar afunda de vez e o prejuízo será também deles. Os sauditas estão no mesmo barco furado. Os EUA são seus maiores clientes.

Tais nós são bem vindos aos americanos, que ganham tempo para tentar achar saídas para a sua crise.

Disputa é por poder

O que está em jogo é uma queda de braço entre os que têm dólares em caixa e a capacidade de os EUA coordenarem os mercados cambiais e vergarem os principais parceiros escalados para engolir o caroço - zona do euro, Japão e China. Quem vai ganhar? Em 1971, a França quis exercer o direito de trocar dólares por ouro. O governo Nixon respondeu cancelando a conversibilidade. Câmbio é isso: poder.

Mal comparando, o mercado de câmbio global é uma das duas últimas trincheiras alegóricas do mundo renascido das ruínas da II Grande Guerra. Uma caiu em 1989: o Muro de Berlim, simbolizando a queda do império soviético e o comunismo. A outra resiste: o ordenamento monetário dos reformadores de Bretton Woods, vila de New Hampshire em que se firmou a hegemonia dos EUA e a supremacia do dólar como moeda-reserva e conversível ao ouro à base de US$ 35 a onça troy, equivalente a 31,1 gramas, com seus braços FMI e Banco Mundial.

A conversibilidade ruiu quando o então presidente francês Charles De Gaulle levou ao limite a troca de dólar por ouro. De Gaulle foi um crítico implacável do que chamava de “privilégio exorbitante da América”: sua capacidade de gastar à custa da inflação exportada a outros países sob a forma de dólares ociosos. Pior ficou ao perder o lastro do ouro. E se maculou na ciranda da especulação ao virar objeto de especulador e de geoestratégia de terceiros, como China.

O dólar já era moeda-ilusão quando Bette Midler mostrou a Gisele Bündchen como se defender. Há agora uma outra guerra. Não se sabe se será a última.

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