sábado, agosto 09, 2008

O Crime e as Capitanias Hereditárias da Mídia no Brasil

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Edição de Artigos de Domingo do Alerta Total http://alertatotal.blogspot.com

Por Jorge Serrão

A TV Globo, o SBT e a Record operam com as concessões de suas principais emissoras vencidas. Se fosse na Venezuela de Hugo Chávez, seus donos teriam motivos para preocupação. Aqui no Brasil, os donatários de nossas capitanias hereditárias da mídia podem ficar tranqüilos. Apenas terão de continuar por um bom tempo operando “fora da lei”. Os processos de renovação de concessão ou outorga de emissora de rádio ou tv demoram até cinco anos nas burocracias do Ministério das Comunicações, da Casa Civil e do Congresso.

Os proprietários dos meios de comunicação por aqui sempre foram aliados dos poderosos de plantão – e vice-versa. Os dois lados vivem em simbiose política e econômica. A paz aparente entre o hospedeiro e o parasita é selada com o dinheiro público. Aqui tudo acaba em conciliação ou negociata. Acabam sempre em pizza as brigas entre a mídia e os políticos. No máximo, um dos lados só finge que faz guerra com o outro. Da mesma forma, não dá para levar nada a sério as eventuais “trocas de gentilezas” entre os barões da mídia. A concorrência é apenas episódica e pontual. Todos sentam na mesma mesa e negociam como bons amigos que têm grandes interesses comuns.

Nas renovações de concessões, todos podem respirar aliviados. A família Marinho, Sílvio Santos e o Bispo Edir Macedo estão nas mãos divinas da super poderosa ministra Dilma Rousseff. A camarada Estela da Casa Civil manda seus burocratas cuidarem de toda a documentação vinda do Ministério das Comunicações. O material será repassado ao poderoso Lula – que nem vai ler o que vai assinar, pois não é muito chegado a tanto trabalho. O chefão vai enviar os processos ao Congresso Nacional. Aos deputados e senadores cabe aprovar a renovação das emissoras da rádio (por 10 anos) e das de tevê (por 15 anos).

A regra é clara” – como diária Arnaldo César Coelho, o árbitro de futebol que, aliás, tem a concessão de uma emissora no sul fluminense. O artigo 223 da Constituição Federal preceitua que compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão de emissão de autorização de empresa de radiodifusão, com a colaboração da classe política O Congresso até pode não renovar a concessão da emissora – se isto for a vontade divina de 2/5 dos parlamentares, em votação nominal. A aprovação é publicada em um decreto legislativo do presidente do Congresso Nacional. Mas uma concessão só pode ser cassada pelo Poder Judiciário.

No Brasil, o processo de renovação de uma concessão das capitanias hereditárias da mídia é um parto demorado. A burocracia é agonizante. Um estudo da Subcomissão Especial da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara indica que o tempo médio de tramitação para FMs, no ano passado, foi de 1704 dias no Ministério das Comunicações, mais 675 dias na Casa Civil e mais 227 na Câmara dos Deputados. A concessão caduca e ainda se demora quase cinco anos e quatro meses, em média, para a renovação.

No Brasil, operamos com uma legislação das Telecomunicações totalmente defasada ao mundo pontocom e globalizado. A original é de 1962, cheia de remendos casuísticos. O ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do Governo Lula, Franklin Martins, já soltou um balão de ensaio sobre a necessidade urgente de se instituir uma nova lei geral da comunicação no País. O bolcheviquepropagandaminister do Chefão Lula está certo.

Só não se sabem quais as intenções nessa estória do mentor intelectual da Empresa Brasileira de Comunicação (a dita televisão pública) que o governo petista promete lançar para “democratizar” os meios de informação no Brasil. Vindo do atual desgoverno, o uso do termo “democratizar” pode significar (alguma ação do governo do “demo” – uma das várias acepções do vocábulo “diabo”). Aliás, de boa intenção, o inferno está cheio políticos.

Prova disso é que 27 senadores e 53 deputados federais são donos de concessões públicas de rádio e TV. Isto acontece ao arrepio da Lei Maior. O artigo 54 da Constituição Federal determina que parlamentares não podem firmar ou manter contrato ou aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado em empresa concessionária de serviço público. Os políticos parecem acima da própria Constituição. E o Supremo Tribunal Federal nada faz contra os inconstitucionais e ilegais “donos” das capitanias hereditárias da mídia no Brasil.

Além desses 80 parlamentares, entretanto, muitos outros podem dirigir veículos de comunicação sem que a sociedade saiba. A dificuldade para descobrir, com precisão, quantos deles tem concessões, é grande. Não há uma lista pública atualizada com os nomes dos sócios proprietários de rádios e televisões. E, mesmo que houvesse, muitos parlamentares colocam as empresas em nome de terceiros (laranjas), muitas vezes sem parentesco algum.

No Brasil, a principal agente do crime organizado é a classe política. Ela conjuga o verbo “conciliar” como ninguém. O termo vira sinônimo de “conchavar”. Unidos, os delinqüentes políticos usurpam o poder estatal. Violentam as instituições. Agem, claramente, em causa própria, locupletando-se. O Brasil necessita da criação urgente de um foro jurídico especial, em primeira instância, para julgar os crimes praticados pela classe política ou contra a administração pública. Sem um tribunal específico, na Justiça federal ou nos tribunais estaduais, a impunidade é quase certa. Basta ao criminoso obter um mandato.

Como instância máxima do Judiciário brasileiro, o Supremo Tribunal Federal teria a competência de julgar ações penais contra presidentes da República, senadores, deputados e ministros. O STF reafirmou tal princípio na semana que passou produzindo uma escatológica jurisprudência. Seis dos 11 ministros decidiram que a Polícia Federal só pode indiciar quem tem foro privilegiado, se o STF permitir. E tem ateu e agnóstico pensando que Deuses não existem. Lá em Brasília, eles julgam e ganham os maiores salários da República para tal função divina.

Foi mais uma bela contribuição em favor da impunidade no Brasil. O ministro Gilmar interpretou que, se a Constituição Federal concedeu foro especial a certas autoridades, é de competência exclusiva do STF supervisionar as investigações. Concordaram com a tese dele os ministros Carlos Alberto Direito, Carmen Lúcia Antunes Rocha, Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Cezar Peluso. Foram votos vencidos na votação os ministros Marco Aurélio Mello, Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto e Celso de Mello.

Repetir não custa. A decisão de seis ministros do STF só contribui para a impunidade e a injustiça no Brasil. È hora de a sociedade brasileira se mobilizar para que seja criado um órgão especial para julgar crimes da administração pública, sem privilégios ou rigores seletivos. A sociedade brasileira precisa pressionar para que se acabe com o foro privilegiado. Afinal, uns não podem ser mais iguais que os outros – conforme ironia da fábula “animal Farm (A Revolução dos Bichos), do inglês George Orwell – mesmo autor de “1984” – livro que mostra como funciona um Estado autoritário, mas pretensamente democrático, como o atual Estado brasileiro da República Sindicalista no poder.

Os fotos históricos demonstram que falta competência ao nosso STF para punir os corruptos. Afinal, ele não é um tribunal de primeira instância, especializado em julgar crimes contra a gestão pública. O STF só deve cuidar de dirimir questões constitucionais. Mais nada. Assim, o crime praticado por político compensa, pois fica impune no Brasil. Ninguém - tendo mandato parlamentar ou executivo - foi condenado nos últimos dez anos pelo Supremo. E ainda tem inocente acreditando que os mensaleiros serão punidos. A demora em julgá-los é a marca da impunidade e da injustiça.

De 1996 até 2006, o STF julgou definitivamente 29 processos penais contra políticos com direito a “foro privilegiado”. Só que todos ficaram impunes. A última condenação no Supremo ocorreu em 1994 contra Paulo César Farias, o PC, ex-tesoureiro da campanha do ex-presidente e agora Senador Fernando Collor de Mello. Mas PC nem cumpriu a pena de sete anos, porque foi assassinado em 1996. Vivo tivesse ficado, pois era muito vivo, dificilmente apodreceria numa cadeia. Fosse preso, ainda pegaria uma prisão especial, com mordomias.

Até quando o crime vai compensar no Brasil? Até quando a mídia tradicional - aliada do crime organizado e sócia da classe política e do governo - vai se calar sobre a gravidade de tal problema brasileiro? Até quando teremos de suportar a injustiça e o desrespeito às leis no Brasil?

Nossa única saída é a implantação da verdadeira democracia, que nunca tivemos por aqui em 507 anos de existência. Democracia é a prática da segurança do Direito, através do exercício da razão pública, que é a efetiva ação da cidadania. O resto é conversa para o Boi tomar uma caixa de Kaiser no Palácio da Alvorada.

Jorge Serrão, jornalista radialista e publicitário, é Editor-chefe do blog e podcast Alerta Total. Especialista em Política, Economia, Administração Pública e Assuntos Estratégicos. http://alertatotal.blogspot.com/ e http://podcast.br.inter.net/podcast/alertatotal

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