quinta-feira, agosto 14, 2008

Ex-guerrilheiros e diplomatas revelam papel do governo Chávez na rota internacional do tráfico da guerrilha colombiana

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John Carlin

Alguns combatentes desertam das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) porque se sentem traídos pelos líderes, desmoralizados por uma sensação de que os ideais socialistas que primeiro inspiraram o grupo guerrilheiro foram substituídos pelo capitalismo selvagem do tráfico de drogas.

Outros saem para ficar com a família ou quando percebem que, se não o fizerem, morrerão. É o caso de Rafael, que desertou em setembro, depois de 18 meses operando numa base das Farc na vizinha Venezuela.

A lógica da decisão de Rafael parece, a princípio, perversa. Hoje ele está de volta à Colômbia, onde, como desertor da guerrilha, passará o resto da vida sob a ameaça permanente por parte dos antigos companheiros. A Venezuela, por outro lado, deveria ser um lugar seguro para um guerrilheiro das Farc, pois o presidente Hugo Chávez anunciou publicamente seu apoio político ao grupo e o Exército colombiano não parece propenso a cair na tentação de cruzar a fronteira.

“Tudo isso é verdade”, diz Rafael. “O Exército colombiano não cruza a fronteira e os guerrilheiros têm um pacto de não-agressão com os militares venezuelanos. O governo venezuelano deixa as Farc operarem livremente porque ambos têm os mesmos ideais esquerdistas e porque as Farc subornam seu pessoal.” Então, do que ele fugiu? “Das batalhas contra outras guerrilhas, para saber quem controla as rotas do tráfico de cocaína”, diz Rafael, um dos 2.400 guerrilheiros que abandonaram as Farc em 2007. “Há muito dinheiro em jogo no controle da fronteira pela qual as drogas chegam da Colômbia, e a rota mais segura para enviá-la à Europa é a Venezuela.”

As Farc se distanciaram das raízes esquerdistas revolucionárias e agora são chamadas, na Colômbia e em outros países, de narcoguerrilha. Empurrado para as áreas fronteiriças, o grupo torna-se cada vez mais irrelevante em termos políticos e militares, graças aos esforços do presidente Álvaro Uribe e dos EUA, que já injetaram milhões de dólares no país.

No entanto, o impacto das Farc é ambíguo: suas chances de lançar uma insurreição esquerdista são nulas; mas o grupo parece capaz de sobreviver graças às receitas do seqüestro, da extorsão e da cocaína. Ajudando em sua sobrevivência e prosperidade está o amigo e vizinho Chávez, que procurou ganhar crédito internacional ao mediar a libertação de duas reféns. Mas não denunciou as Farc por manter 44 pessoas como reféns “políticos”.

Rafael (não é este seu verdadeiro nome) e outros três desertores das Farc revelaram detalhes sobre os laços entre o grupo guerrilheiro e a Venezuela, particularmente a cooperação no tráfico. Funcionários de alto escalão de segurança, inteligência e diplomacia de cinco países confirmaram que as Farc e funcionários do Estado venezuelano operam em conjunto no terreno onde atividades militares e de narcotráfico coincidem.

Mas a relação torna-se mais passiva à medida que se sobe na hierarquia do governo venezuelano. Nenhuma fonte acusou o próprio Chávez de envolvimento direto no narcotráfico colombiano. Mas todas acham difícil acreditar que ele não está ciente do conluio entre suas Forças Armadas e os líderes das Farc, assim como acham difícil imaginar que ele não conhece o grau de envolvimento das Farc no comércio de cocaína.

Segundo ex-combatentes e diplomatas, a cooperação entre a Venezuela e a guerrilha no transporte de cocaína por terra, ar e mar é ampla e sistemática. A Venezuela também fornece armas aos guerrilheiros, oferecendo-lhes a proteção de suas Forças Armadas no terreno e dando-lhes imunidade legal para realizarem seu enorme negócio ilícito.

Das 600 toneladas de cocaína contrabandeadas da Colômbia por ano, 30% passam pela Venezuela. A maioria desse porcentual vai para a Europa - Espanha e Portugal são os principais portos de entrada.

A infra-estrutura oferecida pela Venezuela ao tráfico aumentou dramaticamente nos últimos cinco anos do governo Chávez. A decisão de Chávez de expulsar a DEA (a agência antidrogas americana) de seu país em 2005 foi comemorada tanto pelas Farc quanto pelos barões da droga de cartéis convencionais, com quem elas trabalham ocasionalmente. Segundo Luis Gómez Bustamante, um chefão do tráfico colombiano extraditado de Cuba para a Colômbia em 2007, “a Venezuela é o templo do narcotráfico”.

Um diplomata europeu ecoou essa impressão. “A suposta nação antiimperialista, socialista e bolivariana que Chávez promete criar está a caminho de se tornar um narco-Estado. Talvez Chávez não entenda, mas este fenômeno, se não for controlado, corroerá a Venezuela como um câncer.”

Os desertores das Farc dizem que as autoridades venezuelanas não só fornecem proteção a ao menos quatro acampamentos guerrilheiros na Venezuela, como também fazem vista grossa para fábricas de bombas e programas de treinamento nos campos das Farc. Rafael - alto e arisco, com as feições esculpidas do clássico guerrillero latino-americano - conta ter sido treinado na Venezuela para participar de ataques a bomba em Bogotá.

A cooperação entre os guerrilheiros colombianos e Caracas inclui, segundo Rafael, a venda de armas às Farc; a emissão de documentos de identidade venezuelanos aos combatentes e de passaportes aos líderes da guerrilha, para que eles possam ir a Cuba e à Europa; e também um acordo de reciprocidade pelo qual as Farc oferecem treinamento militar às Forças Bolivarianas de Libertação, grupo paramilitar criado pelo governo Chávez com o suposto objetivo de defender a pátria no caso de uma invasão dos EUA.

O canal dos contatos de Chávez com as Farc é um dos líderes da organização, Iván Márquez, que possui uma fazenda na Venezuela. Como disse um desertor: “As Farc compartilham com Chávez três princípios básicos bolivarianos: a unidade latino-americana, a luta antiimperialista e a soberania nacional. Essas posições ideológicas levam a uma convergência no terreno tático.”

Os benefícios táticos dessa solidariedade bolivariana (em referência a Simón Bolívar, libertador latino-americano do século 19) alcançam a expressão máxima na indústria multinacional da cocaína. Existem métodos variados de transporte da droga da Colômbia para a Europa (leia abaixo), mas todos têm em comum a participação, por omissão ou prática, das autoridades venezuelanas.

http://www.estado.com.br/editorias/2008/02/10/int-1.93.9.20080210.10.1.xml

Rebeldes abrem novas rotas

Droga parte dos portos e aeroportos venezuelanos com a ajuda da polícia

A rota mais direta do narcotráfico das Farc é a aérea. Pequenos aviões decolam de pistas remotas na selva colombiana e aterrissam em aeroportos venezuelanos. Então há duas opções para a droga produzida na Colômbia chegar aos mercados consumidores do Primeiro Mundo, segundo fontes de inteligência. Ou os mesmos aviões leves seguem até o Haiti ou República Dominicana (os EUA dizem que, desde 2006, seus radares detectaram um aumento de três para 15 no número de “vôos suspeitos” que saem da Venezuela por semana), ou a cocaína é transferida para grandes aviões que voam direto para países da África, como Guiné-Bissau ou Gana, e então segue por mar até Portugal ou a província da Galícia, na Espanha.

Um método tradicional e menos complexo de levar a droga até a Europa é transportar pequenas quantidades usando passageiros de vôos comerciais internacionais - chamados de “mulas” na Colômbia. O ex-guerrilheiro Marcelo, por exemplo, diz ter participado de “oito ou nove” missões desse tipo em 12 meses. “Agir dentro da Venezuela é fácil”, diz ele. “Os guerrilheiros das Farc estão lá e a Guarda Nacional, o Exército e funcionários públicos lhes oferecem seus serviços. Nunca há trocas de tiros.”

O ex-combatente Rafael diz ter participado de grandes operações para transportar cocaína por via marítima de portos venezuelanos. Seu posto nas Farc era mais alto que o de Marcelo e ele tinha acesso a informações confidenciais. “Você recebia a mercadoria na fronteira, trazida de caminhão”, conta. “Quando o veículo chegava, a Guarda Nacional estava à espera, pois já havia sido avisada e recebido uma propina para deixá-lo entrar na Venezuela.”

“Às vezes, eles nos forneciam uma escolta para a próxima fase, na qual eu e outros colegas fazíamos a viagem de 16 horas até Puerto Cabello, na costa oeste de Caracas. Lá, o caminhão entrava num depósito controlado por venezuelanos e por rebeldes das Farc, que eram encarregados da segurança. Funcionários da Marinha venezuelana cuidavam dos assuntos alfandegários e asseguravam a partida dos barcos.”

Rafael descreve uma rotina similar no porto de Maracaibo, que, segundo fontes policiais, é “um paraíso dos narcotraficantes”. Ali estava - até o fim do mês passado, quando foi morto por um cartel rival - o colombiano Wilber Varela, o Sabão, um dos traficantes mais procurados do mundo. “Outros como Varela se instalam em casas impressionantes e compram empresas falidas e terras, transformando-se em figuras de peso para as economias locais”, diz uma fonte policial. “A Venezuela oferece a esses criminosos um seguro de vida perfeito.”

COMPRA DE ARMAS

Rafael conta que, numa ocasião, viajou de carro com o capitão Pedro Mendoza, da Guarda Nacional, até uma base militar na periferia de Caracas. Ele entrou com o capitão, que lhe entregou oito fuzis, e em seguida voltou para a fronteira com as armas no porta-malas. Segundo Rafael, membros da Guarda Nacional também forneciam às Farc granadas de mão, lança-granadas e material explosivo para bombas. Uma fonte de inteligência confirma que esse comércio ilegal de armas é freqüente: “A drogas vão da Colômbia para a Venezuela e as armas, da Venezuela para a Colômbia. O armamento é comercializado em quantidades pequenas, mas de forma constante: cinco mil balas, seis fuzis. É muito difícil detectar tal fluxo.”

Rafael esteve mergulhado nesse mundo até decidir que era hora de mudar de vida: “Em junho e julho, fiz cursos de fabricação de bombas ao lado de membros das milícias de Chávez, as Forças Bolivarianas de Libertação (FBL). Num acampamento na Venezuela, aprendemos a armar vários tipos de minas terrestres, fabricar explosivos e detonar bombas usando telefones celulares.”

ATENTADO

Ele explica que estava sendo treinado para uma missão em Bogotá. “Deram-nos fotos de nossos alvos mas, enquanto a data se aproximava, comecei a refletir e percebi que não poderia continuar assim. Primeiro por causa do perigo dos confrontos militares que tínhamos com o Exército de Libertação Nacional (outro grupo guerrilheiro), com o qual disputávamos o controle das rotas da droga. Segundo porque eu poderia ser pego ou morto pelas forças de segurança. Por isso me entreguei em setembro.”

“A verdade”, afirmou uma fonte policial de alto escalão, “é que, se a Venezuela fizesse um esforço mínimo para colaborar com a comunidade internacional, faria uma diferença enorme. Eles não o fazem porque a corrupção é grande, mas também por causa dessa posição ‘antiimperialista’ que eles mantêm. ‘Se isso incomoda os imperialistas’, pensam , ‘não podemos fazer nada.’ A chave para tudo é vontade política. E eles não têm nenhuma.”

Uma lógica similar aplica-se, segundo uma fonte da área de inteligência, à outra especialidade das Farc, o seqüestro. “Se Hugo Chávez quisesse, poderia obrigar as Farc a libertar Ingrid Betancourt amanhã de manhã. Ele diria: ‘Ou vocês a entregam, ou o jogo na Venezuela acaba para vocês.’ As Farc são tão dependentes da Venezuela que não poderiam dizer ‘não’.”

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