quarta-feira, setembro 24, 2008

Pré-sal, um poço de confusão

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Ivo Lúcio S. M. da Silva – Geólogo de petróleo.

A mídia - com algumas exceções – em lugar de ajudar a esclarecer a polêmica em torno das descobertas do Pré-Sal pela Petrobrás na Bacia de Santos, em consórcio com a Shell e a Galp Energia, confunde ainda mais a opinião pública, quando não usa uma terminologia adequada e única para informar sobre o fantástico “possível volume” de petróleo que pode ter sido encontrado, quando se refere às “reservas”.


É necessário que se diga se esse volume de petróleo divulgado com estardalhaço diz respeito a “reservas provadas”, “reservas prováveis” ou “reservas possíveis”, e como é que cada uma delas é estimada, para que se tenha uma idéia da ordem de grandeza desses valores e da relação entre eles.


Pensando bem, o responsável maior por essa confusão toda não é a mídia e sim a Petróleo Brasileiro S/A – PETROBRAS, a empresa que lidera o consórcio, a quem cabe a obrigação de bem informar, aos brasileiros e ao mercado, sobre as descobertas realizadas. Uma simples análise de conteúdo das declarações de seus técnicos deixa em evidência esse deus-nos-acuda.


Quando se analisam as declarações de membros do governo federal – inclusive de ministros de estado e do próprio presidente Lula - aí é que a confusão aumenta: simplesmente parece não saberem do que estão falando.


A Petrobrás utilizou, até o final da década de 90, uma classificação para quantificar os volumes descobertos de petróleo (óleo e gás) através das expressões: “volume possível”, “volume provável”, “volume provado”, “volume recuperável” e “reserva”, de mais fácil compreensão que as da classificação atualmente empregada, devido ao termo de compromisso firmado pela Petrobrás com a Comissão de Valores Mobiliários – CVM.


A classificação anterior se baseia no grau de certeza ou de incerteza da existência do volume de petróleo encontrado, a qual, por sua vez, depende do grau de conhecimento que se tem de alguns dos “fatores que controlam a ocorrência de uma acumulação de petróleo”, principalmente quanto à área ou tamanho das armadilhas mapeadas que aprisionam o petróleo, se estão devidamente testadas com a perfuração de poços ou não, das condições petrofísicas (permeabilidade, porosidade etc.) das rochas reservatório e por analogia com a ocorrência e produção de petróleo em outras regiões ou locais.


Nesta classificação, o volume de petróleo estimado com o maior grau de incerteza ou menor grau de certeza, em toda a área considerada como de ocorrência da rocha reservatório dentro da armadilha, é o denominado “volume possível”, o qual é determinado:


i) A partir da área do mapeamento sísmico-geológico da armadilha estrutural, estratigráfica ou mista que pode aprisionar o petróleo da acumulação descoberta pelo poço pioneiro;


ii) Admitindo-se que a rocha reservatório seja homogênea e que ocorra em toda a área mapeada com as mesmas características de porosidade e permeabilidade que foram encontradas no poço pioneiro descobridor; e,


iii) Por analogia com outras regiões produtoras.


O problema é que na natureza predomina a heterogeneidade e, conseqüentemente, a variação de porosidade e permeabilidade da rocha reservatório é regra e não exceção.


Além disso, a armadilha mapeada é função da qualidade da seção sísmica, ou seja, da confiabilidade nos refletores sísmicos rastreados e mapeados, e cuja continuidade pode não ser real e sim aparente, mascarada pelo falso sinal de reflexão criado quando do processamento do dado sísmico, pelas perfumarias ou procedimentos utilizados para eliminação do ruído.


Em outras palavras, isso pode levar a uma superestimação da área mapeada da armadilha e, conseqüentemente, do “volume possível” de petróleo estimado, que pode também ocorrer com as recentes descobertas na Bacia de Santos.


Deste modo, afirmações na mídia do tipo “um mar de petróleo em toda a costa leste brasileira abaixo das camadas de sal’ servem apenas para criar falsas expectativas, e isto não é bom para a Petrobras e muito menos ainda para o Brasil, que tem outras prioridades, muito mais urgentes, para serem tratadas e resolvidas.


A qualidade ou resolução atual das seções sísmicas para as camadas depositadas abaixo do sal na Bacia de Santos é excelente quando comparada com as seções sísmicas de água profunda da década passada.


Mas, em virtude da perda de sinal ocasionada pela espessura da camada de sal, em que pese todo o avanço tecnológico desta década no processo de aquisição e processamento do dado sísmico de reflexão no mar, a continuidade dos refletores das camadas do Pré-Sal nas seções sísmicas pode não ser muito real, aumentando consideravelmente a área das armadilhas mapeadas que aprisionam o petróleo.


Outra coisa que pode ser relevante é que ao se considerar a existência de camadas contínuas de rochas reservatórios por longas distâncias, isso implica em deixarmos de contar com as falhas como um dos principais caminhos por onde o petróleo migra da rocha geradora até a rocha reservatório, de certas distâncias.


E o mais crítico, é que isso obriga a que um volume fantástico de rocha geradora esteja muito próximo, quase que colado a rocha reservatório, para produzir esse igualmente colossal volume de petróleo divulgado pela Petrobrás e empregado pelo governo brasileiro como propaganda um tanto quanto enganosa, porque ainda não transformado em “volume provado”.


Portanto, a expressão “volume possível” ou “reservas” vale apenas como uma primeira aproximação do volume de petróleo encontrado na área da descoberta, volume esse a ser comprovado ou não com a perfuração de mais poços denominados de pioneiros adjacentes e/ou de poços de delimitação da extensão da acumulação ou campo, algo que não será feito da noite para o dia e sim depois de alguns anos, podendo chegar a uns 20 anos ou mais no caso das descobertas em água profunda na Bacia de Santos.


O certo é que o volume inicialmente estimado na descoberta da acumulação raramente se concretiza, à medida que as perfurações dos poços são realizadas, sendo comuns as re-avaliações dos volumes dos campos ao longo de suas existências.


Com relação aos demais volumes, pela antiga classificação de volumes do Código de Reservas da Petrobrás, o “volume provável” é aquele que computa o petróleo existente na área de drenagem de cada poço somado ao petróleo da área não drenada entre poços contíguos na mesma área da armadilha mapeada, enquanto o “volume provado” considera apenas o volume da área de drenagem de cada poço.


Quanto ao “volume recuperável” ele é o resultado do volume provado multiplicado pelo “fator de recuperação’ (FR), um parâmetro inerente a cada tipo de rocha reservatório em cada campo.


Por exemplo, em determinado campo você só consegue extrair de determinado tipo de rocha reservatório com certas características, digamos, 60% de todo o “volume provado” de petróleo nela armazenado. O restante fica lá para todo o sempre.


Finalmente, temos a “reserva” que é o "volume recuperável” menos o “volume produzido” mais o “volume injetado” de volta no reservatório, por algum motivo. No início da explotação (lavra) de cada campo a “reserva” é, então, o próprio “volume recuperável”.


Por isso, nesse estágio inicial da exploração do Pré-Sal na Bacia de Santos só podemos falar, por enquanto, de “volume possível” ou de “reserva possível” de petróleo e, ainda assim, com muito cuidado devido às fortes restrições existentes, mesmo se partirmos do pressuposto de que já dominamos a tecnologia para a extração do petróleo a 7.000 metros de profundidade, com lâmina d água de 2.000 a 2.500 metros, depois de atravessarmos 2.000 metros de sal, porque:


1- A qualidade da sísmica abaixo do pacote de sal pode ser aparente e os refletores sísmicos rastreados e mapeados podem não ter a tal continuidade visualizada na seção sísmica, fazendo encolher as mega descobertas anunciadas;


2-
Não dispomos ainda de poços com testes de longa duração (TLD) e não conhecemos o mecanismo de produção dos campos; e,


3-
As acumulações descobertas não estão ainda delimitadas por poços e não conhecemos exatamente a área de cada campo ou do mega campo.


No caso das descobertas do Pré-Sal da Bacia de Santos a galinha pode não ser a de ovos de ouro, talvez seja de prata ou mesmo de bronze, mas o “volume possível” de petróleo, ainda assim, será um volume considerável. Se explotável ou não, só o mercado dirá, mas isso é outra história...

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