terça-feira, setembro 09, 2008

I-JUCA-PIRAMA REVISITADO


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OBSERVAÇÃO DESTE SITE: GRIFADO EM AMARELO, PONTOS COM OS QUAIS CONVORDO E, EM AZUL, COM OS QUAIS EU NÃO CONCORDO (PELO MENOS NÃO COMPLETAMENTE). O ARTIGO FALA MUITAS VERDADES.

Por Vania Leal Cintra

Socióloga

A livraria virtual de um jornal brasileiro de grande circulação apresenta como sugestões: 1. Livro investiga vida e obra de CAETANO VELOSO (está escrito VELSOSO); 2. Livro traz biografia, interpreta as canções e explica a carreira de CHICO BUARQUE; 3. Livros discutem história, literatura, política e políticos do BRASIL, a partir de R$ 4,90; 4. Aprenda inglês e mais 6 idiomas em 15 minutos por dia. Assim se ilustra e se distrai o brasileiro. Enquanto isso, no Supremo Tribunal Federal, o futuro nacional se costura.

Não satisfeita com conhecer seu voto a respeito da questão da destinação de terras em Roraima — estado federado brasileiro que, antes, tinha o nome pronunciado com um ditongo bem fechado e que, agora, é ouvido nos telejornais com um ‘A’ bem aberto, muito pernóstico e nitidamente espanholado, não se sabe bem por quê — procuro a íntegra do Relatório do Exmo Sr. Ministro Carlos Ayres Britto (1) para conhecer seus argumentos. Ainda movida pela curiosidade, recorro à Wikipédia para melhor conhecer também suas credenciais — recurso este que o Ministro mesmo autoriza nesse Relatório, pois é onde afirma que se informou a respeito de quem foi Araribóia (2). Descubro que não é apenas Bacharel, Mestre e Doutor em Direito como também é poeta. Não me surpreende. E não posso dizer que o autor de “Varal de Borboletras” seja alguém mal informado (cá entre nós, esse título é bem pior que “Marimbondos de Fogo”... o poeta é bem capaz de ganhar um assento na ABL...). Mas, ao ler as páginas daquele seu Relatório, talvez decisivo aos destinos da Soberania nacional, reconheço que seriam dignas de constar entre as do Romantismo brasileiro, embora bem abaixo das de Gonçalves Dias. Não tanto pela verve quanto pelo ardor e pela ingenuidade — ingenuidade que, no séc. XIX, seria perfeitamente desculpável, mas, hoje, convenhamos, desculpar se faz bem mais complicado. Diferença fundamental: os versos de Gonçalves Dias tentavam despertar ou reforçar entre os brasileiros, com a voz que emprestavam aos índios, valores nobres que a cultura nacional, de origem européia, referendava; já Ayres Britto verseja em seu Relatório pretendendo que os sepultemos e que deles nos esqueçamos.

No STF, corre o julgamento de uma ação impetrada por particulares que está sendo tratada no campo restrito dos interesses particulares. Alega-se que muitas e muitas terras são necessárias à preservação do “modo de vida” indígena e que Roraima possui terras a mais e habitantes a menos. E essa história vem tentando comover — e comove — milhares de brasileiros que vivem a milhares de quilômetros de distância das terras postas em causa e com elas nunca se preocuparam, conhecendo apenas índios de blocos carnavalescos, os dos versos melosos dos poetas da música popular e os dos manuais de antropologia engajados em causas pseudo-universais. No máximo, precisaram um dia decorar, para ser aprovados em Geografia na Escola, o nome dos estados da região amazônica e talvez o de suas capitais. Nem imaginam, tampouco, como se cultiva o arroz ou qualquer outra coisa que encontram empacotada nos supermercados — são visceralmente urbanos. Os muito comovidos se agitam. Os pouco comovidos pouco se movem, como se esse não fosse assunto de seu direto interesse. Não lhes ocorre que, ou menos lhes importa se, na verdade, não são os interesses dos arrozeiros de Roraima o que está em jogo, nem, muito menos, os dos brasileiros de linhagem indígena. Poucos de nós percebem que o interesse que está em jogo é o interesse público, o interesse nacional, que se vê em confronto com o interesse privado supranacional. E que o veredicto do Supremo terá o poder de determinar até que ponto os índios que se dizem índios e apenas índios — e os interessados nos índios e naquilo tudo que aos índios de verdade sempre pouco interessou — poderão investir contra e ousar ferir a integridade nacional.

Para início de conversa, deveríamos todos nos perguntar o que é que se preserva exatamente ao preservarmos o “modo de vida dos índios”, presumidamente avesso aos avanços das normas de urbanização, de higiene, de produção. Preservam-se a miséria e a ignorância. Porque, num mundo em que a terra e o subsolo são valores econômicos, tudo o que não lhes significa miséria e ignorância foi adquirido em seus contatos com centros desenvolvidos cuja cultura é bem diferente da sua, que a rigor se mantém na idade da pedra.

Mas é verdade verdadeira que os indígenas isolados dos centros urbanos não tiveram, em território nacional, acesso às benesses — e às agruras — do modo de vida dos demais brasileiros. E por que não tiveram? Por que erramos. Porque não lhes demos atenção, da mesma forma como não damos atenção às favelas onde hoje grassa o narcotráfico. Porque não providenciamos que o Estado se impusesse no pedaço em que vivem e lhes levasse o melhor de nossa cultura. Porque não lhes demos boas Escolas, não lhes demos serviços de Saúde, não lhes demos estradas nem lhes demos a Lei, assim como nada disso damos às populações consideradas periféricas. Porque lhes permitimos o consolo dos falsos pastores religiosos a serviço de pretensões e interesses supranacionais. Porque não os incorporamos à nossa sociedade, alguns apenas tomando a iniciativa de oferecer apoio institucional à sua segregação através da FUNAI, antes SPI. Porque os julgamos diferentes de todos nós. Porque os abandonamos ao Deus dará.

E em nome de Deus alguém lhes deu direitos. Direitos especiais. Eles hoje seqüestram, estupram, matam e matam-se, armam-se, lambuzam-se de tintas e se enfeitam com penachos em cores que ameaçam turvar as nossas cores. Impunemente. E dispõem de redes virtuais sem fio. E mentem, deslavadamente mentem que se conformarão com manter-se restritos a um dado território que lhes é doado e garantido por brasileiros, ou que preservarão uma fronteira em nosso nome, que obedecerão a ordens militares, quando sequer a um civil, Ministro do Planejamento de um Governo que lhes é simpático, permitiram o ingresso em “suas” terras. Como índios preservarão fronteiras, se é de sua cultura não conhecer fronteiras, se eles se organizam, inter e supranacionalmente, independentemente do que lhes permitimos, em “Nações”, Federações e uma Confederação internacional, e a pauta dos Congressos que realizam são estratégias e táticas de uma luta — posta como étnica — sem trégua?

Nos versos do Relator da Ação Popular posta no STF afirma-se, no entanto, que os índios são cidadãos brasileiros. São porque assim os considera a Constituição de 1988 que, no entanto, dedica-lhes um capítulo à parte, dizendo-nos como devem ser tratados — como animais em extinção, a quem se recria um habitat adequado. Qual outro cidadão brasileiro goza de tantos privilégios? Qual outro cidadão se submeteria a tanto? Os índios têm direitos constitucionais extraordinários — à sua cultura (que não é a nossa), às suas línguas (que não são a nossa), aos seus costumes e crenças (que não são os nossos), aos seus juízos e aos seus métodos de fazer justiça (que não são os nossos), à defesa incondicional de seus pés de mandioca etc. etc. Muitos mais direitos que as “colônias” alemã ou japonesa ou quaisquer outras que sejam e que poderão, amanhã ou depois, reivindicar equiparação. Por que não? Mas, ora, convenhamos que a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que tão “nobremente” firmamos, é apenas “uma carta de intenções”, como declara o Itamaraty. E é, sim, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos também o é, e é nada mais. E apenas os fatos são fatos. E ganhos são ganhos e perdas são perdas. O resto é verso e conversa.

Quem, portanto, ameaça ou pôs em risco a Soberania nacional? Os índios, o CIMI que rege seu concerto, as ONGs que se infiltraram nas aldeias indígenas em nosso território ou os constituintes de 1986 que pelos objetivos do CIMI e das ONGs e dos índios se deixaram seduzir? Sabedores que, conforme supõem os que aplaudem a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, alinhavada há décadas e apenas aprovada em 2007, “um povo” diferenciado do povo brasileiro vive em nosso território, os constituintes fizeram, talvez ingenuamente, constar no Art. 4º, inciso III, que o Brasil deverá se reger pelo princípio da “auto-determinação dos povos”. Quais povos e onde vivem esses povos?

E que extrair de uma Constituição que coloca textualmente, no parágrafo único desse Art. 4º, que o Brasil se comprometerá com esforços no sentido da “integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina” (que se especifica em documentos das Nações Unidas como um bloco único que abrange América do Sul e Caribe), “visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”? Nada mais que o entendimento de que a sociedade brasileira trata de reorganizar-se no sentido de inserir o País na chamada “nova ordem” mundial, avalizando e legitimando a idéia, nascida da inspiração de “soberanos” saber e mercado externos, de um mundo dividido em regiões e sub-regiões definidas de acordo com critérios de semelhança étnica e capacidades funcionais geneticamente determinadas, e pondo essa idéia em prática — com o que abre a possibilidade de que os “soberanos” daquela tal comunidade política possam intervir nos assuntos internos brasileiros, neutralizando ou anulando a Soberania e a independência nacional e eliminando a autodeterminação da Nação brasileira, que apenas se obriga a reconhecer esses princípios se e quando referentes aos demais povos-Nações que se afirmam enquanto tal. E não é, segundo a defesa mesma dos impetrantes da Ação Popular ora em julgamento, feita por ilustre advogado, intenção dos índios integrar-se à “sociedade globalizada”? Pois é o que estão eles fazendo. Com o aval de nossa Constituição. Com nosso aval.

Entre os mais interessantes versos do Relatório do poeta romântico investido na função de Ministro do Supremo Tribunal Federal estão os que se colocam entre as estrofes de nº 98 a 106. Podemos nos deliciar, por exemplo, com palavras que se justapõem inspiradas nos mais elevados sentimentos e convicções, tais como as que se referem aos índios como “Olho e pálpebra que são de uma terra que lhes dá um multimilenar sustento e que lhes povoa o sonho imemorial de nela viver em paz para todo o sempre”. Que beleza! A leitura de alguns versos, transcritos no pé deste artigo, com grifos meus (3), é pesada, mas é necessária. Não deveriam nos surpreender a arte retórica que tais versos demonstram e o romantismo que exalam, sem nada mais sugerir. Nós, brasileiros, gostamos bem mais de dizer, ler e ouvir palavras bonitas que de saber de fatos que possam ser feios, que por vezes são horrorosos, e as composições líricas sempre nos pareceram agradáveis aos ouvidos, aos olhos e ao coração. Mas as satíricas também nos caem bem.

A verve satírica do poeta percebe-se no Relatório, por exemplo, ao considerarmos a situação de penúria a que foram, sistematicamente, relegadas as FFAA brasileiras nas últimas décadas, e que são agraciadas nesse documento com o especial (e talvez considerado principal) dever de manter-se como ama-seca permanente de criaturas estrutural e ancestralmente carentes e consideradas incapazes — uma vez que outras quaisquer instituições nacionais, que teriam a precípua função de atender as comunidades brasileiras em diferentes setores em diferentes áreas geográficas, terão seu ingresso vetado em “terras indígenas” e se eximem de responsabilidades.

Os índios, diz-nos o documento, também nos servem como fiéis Soldados. E como as FFAA recrutarão o povo indígena em “suas” terras? No laço? Ou voluntários se apresentarão, espontaneamente, aproveitando a oportunidade de um aprendizado útil à sua causa sob instrução especializada? Por outro lado, quem nos garante que apenas índios brasileiros, e não os de todas as origens, não estejam e não estarão mais engrossando a população das Reservas? Ou que não estará ela sendo espessada em todos os sentidos por aqueles não-índios, de todas as nacionalidades, que os índios considerem úteis ao desenvolvimento de seu povo ou de sua comunidade (que pretendem seja qualificada como Nação) e que lhes possam esclarecer as consciências do que o reconhecimento das terras como “suas” de fato significa na projeção de seus efeitos? Principalmente também se levarmos em consideração o fato de que as “suas” terras estão em faixa de fronteira que às FFAA é impossível, por faltar-lhes recursos materiais e humanos, ocupar ou vigiar e proteger devidamente. Um censo permanente é um recurso desde já afastado, por coerência. Ou o Exército também deverá encarregar-se dele? E por que e para que a demarcação de Reservas inexpugnáveis, se a intenção da Carta Magna seria “integrar os nossos índios para agregar valor à subjetividade deles” (...) visando a que “eles sejam ainda mais do que originariamente eram, beneficiando-se de um estilo civilizado de vida que é tido como de superior qualidade em saúde, educação, lazer, ciência, tecnologia, profissionalização e direitos políticos de votar e de ser votado, marcadamente” (4)? Por fim, para não alongar demais, como a Justiça brasileira poderá resolver o problema criado com a lei brasileira que criou Reservas indígenas, devolvendo aos índios as terras que os constituintes reconheceram como “suas” porque assim eram antes da colonização? Traduzindo e interpretando a Constituição ao pé da letra, tecnicamente, poeticamente?

Em qualquer Estado que se preze, a Constituição é de essência eminentemente política — o que permite que, através de forma e dispositivos jurídicos, atenda-se a vontade política nacional. Mas a vontade nacional, que determina o interesse nacional (conforme já pude defender em “A ideologia do Estado subalterno”, tese de doutoramento na PUC-SP), é a vontade da Nação que se impõe sobre a sociedade em território nacional, nenhuma outra e nunca ao contrário. Se a vontade da Nação não se impõe, o Estado será apenas um arremedo de Estado e não será, de fato, nacional, embora o seja de direito. Assim sabemos por que a sociedade brasileira mais uma vez não reagirá ao estar o Brasil em perigo. A sociedade brasileira não aprendeu a ter amor ou respeito pelo Brasil. E é imune a isso. Não reagirá como não reagiu quando a Constituição de 1988 era tecida e aprovada, Constituição-cidadã do mundo, que permitiu a dupla nacionalidade e outros tantos “princípios” que hoje a regem. Não reagirá porque não tem idéia daquilo a que deva reagir ou querer reagir. E a confusão que se faz entre sociedade nacional e Nação é uma confusão criada apenas para que esta última não tenha voz nem vez. E arrisque-se a não ter voto.

Desculpem-me, senhores, senhoras. A culpa do que hoje acontece em nosso Brasil não é do CIMI, ou das ONGs, nacionais ou internacionais, ou do império norte-americano, ou do apetite francês ou alemão, da impertinência suíça, das artimanhas bolivarianas, ou muito menos é de qualquer russo ou chinês de plantão ou de qualquer sociólogo italiano maldito. Nem mesmo quem conta histórias do totó às crianças para embalá-las à noite poderá atribuir culpas ao boi da cara preta, à mula sem cabeça ou ao bicho-papão, mesmo que esses personagens assustem de fato e tenham reconhecidas más intenções. Essas histórias e seus personagens nada nos ensinam exceto a temer o perigo e a ter prudência. E más intenções nem são culpas de fato nem abrangem todas as culpas. A culpa desse “romantismo” todo que camufla inúmeras perversões inomináveis e conforma a vontade de nossa sociedade é, pois, nossa, toda nossa e só nossa. De ninguém mais. Nós, brasileiros de fato, compramos o risco e pagamos para ver. E estamos sozinhos. Mas apenas nós devemos reagir. E podemos reagir, desde que o façamos com muita e muita inteligência, nem superestimando nem subestimando a inteligência adversa.

Vania Leal Cintra - socióloga

***

(1) - www.stf.gov.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/pet3388CB.pdf

(2) – cf. estrofe 78 do Relatório

(3) - (98) ... já não vale o argumento do risco de uma demarcação contínua que termine por acarretar vazios democráticos [sic- talvez tenha ele pretendido dizer demográficos] ou a não-presença de Estado ... porque a não-presença de Estado é de ser imputada a ele mesmo, Estado brasileiro. ... nada juridicamente impede, mas antes obriga, que o Poder Público brasileiro, sob a liderança institucional da União (nunca é demais repetir), cumpra o seu dever de assistir as populações indígenas. Dever que não se esgota com o ato em si de cada demarcação por etnia, pois ainda passa pela indispensável atuação das nossas Forças Armadas, isolada ou conjuntamente com a Polícia Federal, sempre que em jogo o tema fundamental da integridade territorial do Brasil (principalmente nas denominadas faixas de fronteira). (99) ... ao versar o tema das terras indígenas, a Magna Carta Federal não fez nenhuma ressalva quanto à demarcação abrangente de faixa de fronteira ou nela totalmente situada. (100). ... a Constituição ainda deixou expressa a possibilidade de uso e ocupação não-estatal de qualquer delas. Apenas arrematando o seu discurso com a regra de que tal ocupação e uso “serão regulados em lei”, tendo em vista que toda faixa de fronteira é de logo qualificada por ela, Constituição, como “fundamental para defesa do território nacional”. Eis o texto: “A faixa de até cento e cinqüenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei” (§2º do art. 20). (101). Uma dessas possibilidades de uso de faixa de fronteira, por sinal, já vem disciplinada na própria Constituição. Diz respeito às atividades de pesquisa e lavra de recursos minerais e ao aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica, (§ 1º do art. 176).(102). Não podia ser diferente essa compatibilidade, que apenas retrata o fato de que justamente nas fronteiras terrestres do Brasil é que mais se concentram as nossas populações indígenas, especialmente nas regiões norte e centro-oeste. (...) Seja como for, concentração indígena que se fez e se faz decisiva para a preservação da integridade territorial brasileira (esse elemento da soberania nacional), pois os nossos aborígines, amantes e profundos conhecedores da nossa geografia, sempre souberam se opor com toda eficiência e bravura às tentativas de invasões estrangeiras em nosso País. (103).(...) Donde escrever, em artigo recente, a atual senadora e ex-ministra do Meio Ambiente, Marina da Silva, também ela uma grande conhecedora da região norte desta nossa Terra de Santa Cruz: “A defesa das nossas fronteiras na Amazônia sempre recebeu grande contribuição das comunidades indígenas. Por exemplo, pela incorporação de seus jovens ao Exército para ações em áreas onde ninguém quer ou sabe ir” (jornal Folha de São Paulo, Caderno A, p. 2, edição de 4 de agosto de 2008). (104) Nesse contexto, longe de se pôr como um ponto de fragilidade estrutural das nossas faixas de fronteiras, a permanente alocação indígena nesses estratégicos espaços em muito facilita e até obriga que as duas citadas instituições de Estado (Forças Armadas e Polícia Federal) se façam também permanentemente presentes com seus postos de vigilância, equipamentos, batalhões, companhias, agentes e tudo o mais que possa viabilizar a mais otimizada parceria entre o Estado e as nossas populações nativas. (105) Conforme dito precedentemente, se o Poder Público se faz ausente em terras indígenas, tal omissão é de ser debitada exclusivamente a ele, Estado, e não aos índios brasileiros. Índios que não podem se opor a essa presença (juridicamente não podem, frise-se) e ainda necessitam dela para a contínua elevação dos seus padrões de segurança, politização, educação, saúde, transporte e demais itens de bem-estar material. Não é por aí, portanto, que se pode falar de abertura de flancos para o tráfico de entorpecentes e drogas afins, nem para o tráfico de armas e exportação ilícita de madeira. Tampouco de perigo para a soberania nacional, senão, quem sabe, como uma espécie de desvio de foco ou cortina de fumaça para minimizar a importância do fato de que empresas e cidadãos estrangeiros é que vêm promovendo a internacionalização fundiária da Amazônia legal, pela crescente aquisição de grandes extensões de terras. (106). Enfim, quem proíbe o Estado brasileiro, mormente o Estado-União, e mais especificamente ainda o Estado-Forças Armadas e o Estado-Polícia Federal, − quem proíbe o Estado brasileiro, dizia eu, de ocupar o espaço funcional que lhe cabe em terras indígenas? Quem impede o governo brasileiro de responder às ONG’s estrangeiras, e até mesmo à ONU, com toda altivez e em alto e bom som, que neste nosso território somos nós que mandamos? Quem obsta o Estado soberano do Brasil de espalhar pelos quatro cantos do mundo que nenhum outro Estado independente avançou tanto na questão indígena, tutelarmente, como o Estado brasileiro pós Constituição de 1988? (...) Despercebidas, talvez, as nossas autoridades, tanto civis quanto militares, do enorme trunfo que é poder conscientizar ainda mais os nossos indígenas, instruí-los (a partir dos conscritos), alertá-los contra a influência malsã de certas ONG’s, mobilizá-los em defesa da soberania nacional e reforçar neles o sentimento de brasilidade que nos irmana a todos. Missão até favorecida pelo fato de serem os nossos índios as primeiras pessoas a revelar devoção pelo nosso País e até hoje dar mostras de conhecerem o seu interior e as suas bordas mais que ninguém. Olho e pálpebra que são de uma terra que lhes dá um multimilenar sustento e que lhes povoa o sonho imemorial de nela viver em paz para todo o sempre.”

(4) – cf. na mesma estrofe 78 antes referida.

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