RODRIGO VARGAS
da Agência Folha, em Cuiabá
13/10/2008
Cerca de 120 índios da etnia enawenê nawê invadiram e incendiaram na manhã de sábado o canteiro de obras da PCH (Pequena Central Hidrelétrica) Telegráfica, na cidade de Sapezal (
Pelo menos 12 caminhões foram destruídos, além dos alojamentos e do escritório avançado da Juruena Participações Ltda. - consórcio de empresas que constrói a usina.
A reportagem ouviu por telefone representantes da etnia na sede da Funai em Juína (
Todos os diretores da Juruena Participações estavam ontem no local do ataque, no município de Sapezal, sem possibilidade de contato por telefone.
Equipamentos de informática e utensílios de cozinha do refeitório foram saqueados, diz a empresa. Os índios abandonaram o local em seguida.
"Eles chegaram armados com machados e pedaços de pau, expulsaram os funcionários e depois colocaram fogo em tudo", disse o coordenador-técnico ambiental da empresa, Frederico Müller.
Müller disse que ainda não é possível estimar os prejuízos com a ação. "É certamente algo que superará a casa do milhão".
A Telegráfica integra um complexo de dez usinas que será implantado ao longo de
A Juruena Participações responderá por outras quatro obras do conjunto (Rondon, Parecis, Sapezal e Cidezal), enquanto o restante ficará a cargo da Maggi Energia, empresa do grupo empresarial do governador Blairo Maggi (PR).
Os índios reclamam que as obras vão causar impactos ambientais e reduzir a oferta de peixes. A Sema (Secretaria Estadual do Meio Ambiente), órgão encarregado do licenciamento ambiental, diz que o impacto será pequeno.
O secretário-adjunto da Sema, Salatiel Araújo, disse hoje "lamentar" o ataque às instalações da PCH. Segundo ele, dependia apenas dos enawenê nawê a assinatura de um acordo de compensação financeira em relação aos impactos previstos para a região - R$ 6 milhões, para as cinco etnias afetadas. "Quatro etnias aceitaram o acordo, mas eles não".
Desde o final de 2007, o Ministério Público Federal de Mato Grosso já propôs duas ações civis pedindo a suspensão das obras. Ambas questionam os impactos sócio-ambientais do projeto e o fato de o licenciamento ter sido feito por um órgão estadual.
Em abril, a Procuradoria obteve uma liminar no TRF (Tribunal Regional Federal) da 1ª Região, mas a medida acabou cassada pelo ministro Gilmar Mendes, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal).
A Folha tentou contato com os índios, sem sucesso. A assessoria do Grupo Maggi disse que um diretor estava em viagem e que somente ele poderia fornecer detalhes sobre os projetos da empresa na região. A reportagem conseguiu contato com o diretor da Juruena Participações, que prometeu ligar de volta. Até a conclusão desta reportagem, isso não ocorreu.
O administrador regional da Funai em Juína, Antônio Carlos de Aquino, chamou de "tragédia" a ação dos índios. "Foi algo totalmente inesperado".
A reportagem procurou o governador Blairo Maggi (PR), mas sua assessoria informou que somente a Sema se pronunciaria sobre o assunto.
JORNAL HOJE - 14/10/08
Parecer da Funai diz que estudo que permitiu licenciamento de usina é contraditório
15/10/2008
Parecer técnico concluído em agosto na CGPIMA (Coordenação de Patrimônio Indígena e Meio Ambiente) da Funai afirma que o principal estudo que permitiu o licenciamento do complexo de usinas do rio Juruena (região noroeste de Mato Grosso) - onde um canteiro de obras foi invadido e incendiado por índios no sábado - é "contraditório", "incompleto" e não permite estimar os reais impactos das obras ao meio ambiente e aos índios.
"Mesmo com as medidas apontadas como mitigadoras [...] a margem de dúvida sobre a viabilidade ambiental dos empreendimentos em conjunto continua muito grande", diz trecho do documento.
O parecer, assinado pelo biólogo Marcelo Gonçalves de Lima, analisa os resultados da AAI (Avaliação Ambiental Integrada), o pré-requisito técnico para a renovação das licenças ambientais concedidas aos empreendedores - Juruena Participações S.A. e Maggi Energia S.A., do governador Blairo Maggi (PR).
O licenciamento das dez usinas previstas no complexo vem sendo feito pela Sema (Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso). A obras terão influência sobre áreas de cinco etnias: myky, pareci, nambiquara, rikbatsa e enawenê nawê.
No parecer, o técnico apresenta uma "forte recomendação" para que processo seja suspenso, enquanto não forem feitos "estudos de impacto ambiental detalhados".
"É o entendimento deste parecerista que o risco ambiental advindo da implementação de todos os empreendimentos supracitados no rio Juruena não foi devidamente mensurado".
Procurado ontem pela reportagem, o secretário-adjunto da Sema, Salatiel Araújo, disse que não iria comentar o teor do parecer. Na semana passada, em reunião com os índios, ele chegou a mencionar que o documento é "unilateral" e não-condizente "com a realidade do empreendimento".
Índios cobram pedágio ilegal em reservas de MT
JORNAL HOJE - 14/10/08
Esta reportagem foi sugerida por um caminhoneiro que é telespectador do Jornal Hoje. Ele viajou por uma estrada que corta áreas indígenas
A estrada que corta a reserva no Parque Nacional do Xingu é controlada pelos índios. Há pontos ostensivamente vigiados por guerreiros. Para passar por lá, é preciso pagar.
Nossos repórteres foram pedir informações para os vigias:
– Quanto custa para um caminhão bitrem?
– Caminhão bitrem carregado, custa R$ 180. – E vazio, quanto?
– Vazio, 150.
O pagamento é para atravessar o rio Xingu. Dois índios operam a balsa mantida pela tribo e, em menos de dez minutos, chega-se à outra margem. Nossa equipe pagou R$ 50 e recebeu o comprovante.
No documento, dá para ver que cada veículo tem um preço diferente. No caso dos ônibus, a cobrança é feita duas vezes:
– Quanto paga o ônibus?
– Sessenta.
– Mas aí é cada passageiro ou só o motorista?
– Não, cada passageiro também paga. Cinco reais, cada passageiro.
Foi o que aconteceu com os passageiros de um coletivo que saiu de Peixoto de Azevedo (MT) em direção ao Pará. Um deles, o aposentado Delson da Luz, reprovou a atitude dos índios: “Não acho correto, às vezes você sai com pouco dinheiro e tem que pagar”.
A rodovia existe há mais de 30 anos e é o principal acesso entre oito cidades do norte de Mato Grosso. Sem ela, a viagem fica quase inviável. "Ia demorar duas ou três vezes mais, a volta é grande", diz o pecuarista Cristiano Rocha.
Quando algum fazendeiro da região precisa usar a balsa para transportar o gado, a cobrança fica ainda mais cara. Os animais são levados até a beira do rio e embarcados
O tocador de gado Altamiro Moraes já perdeu as contas de quanto o patrão deixou com os índios. Numa ocasião, ele lembra, o pedágio passou de R$ 6 mil. “Foram 120 vezes, só tinha caminhão passando. O preço era R$ 60 para ir e R$ 60 para voltar”, conta.
Os pedágios em áreas indígenas se multiplicam por Mato Grosso. Na reserva Pareci, no sudoeste do estado, são duas estradas e cinco pedágios, que rendem aos índios R$ 20 mil por mês. “Não é exploração. A gente está cobrando porque eles estão passando perto da nossa aldeia”, justifica a cacique Mirian Kazaizokaio.
Para os motoristas, a cobrança é abusiva. “Eles ainda judiam da gente para passar. Uma vez eles queriam carona até o Xingu e seguraram o caminhão mais 40 minutos, até os índios mudarem de roupa”, conta o agricultor Valdomiro Vidarenko.
A Funai afirma que o pedágio cobrado pela tribo Paresi foi aprovado em pacto com o Ministério Público Federal, produtores rurais e pela comunidade indígena, como forma de compensar a passagem da estrada pela reserva.
Sobre o pedágio mostrado no começo da reportagem, no Parque do Xingu, a Funai afirma que não há acordo para cobrança e que o caso vai ser analisado.
PERGUNTAS:
- Foram os índios que construíram as estradas?
- Por que as reservas foram demarcadas em áreas pelas quais passavam estradas importantes para o Estado?
- A balça, a nota fiscal, as roupas que os índios usam foram criadas por eles e por sua rica cultura?
- Isso que os índios estão fazendo não seria crime de extorção?
- A reserva não é para manter os índios em suas culturas? Por que o interesse por dinheiro ‘da civilização’?
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