segunda-feira, outubro 20, 2008

A mentira como um método e uma “questão política”

Reinaldo Azevedo

http://veja.abril.com.br/blogs/reinaldo/2008/10/mentira-como-um-mtodo-e-uma-questo.html

Sexta-feira, Outubro 10, 2008

Ontem, no meio de uma pequena reportagem do Estadão dando conta de algumas divergências entre os petistas sobre a condução da campanha de Marta Suplicy à Prefeitura de São Paulo, publicou-se uma verdadeira pepita do mais puro petismo, da forma como essa gente vem fazendo política há 28 anos. Eu a encontrei ainda na madrugada, que é o período em que garimpo os jornais. Arregacei as mangas para pegá-la, mas recuei: “Ah, vamos ver se alguém comenta, né?” Mas quê... Pelo visto, a questão foi considerada normal, corriqueira, parte do jogo. Mas de que diabos estou falando? Vamos lá.

Paulo Frateschi é secretário de Organização do PT. Esses nomes que o petismo traz decalcados da tradição bolchevique ainda me empurrarão para um ensaio sobre as múltiplas formas da empulhação política. Mas não agora. Frateschi está um tanto descontente com a campanha de Marta. E então fez à reportagem do jornal a seguinte consideração: “É voz corrente no PT que devemos oferecer um combate mais político na disputa em São Paulo Politizar a eleição é dizer que Kassab está privatizando a saúde; que, se ganhar, vai entregar o transporte coletivo aos empresários. Não podemos ficar só em comparações de governos e em sopa de números."

O que lhes parece? Observem que “comparação”, para ele, virou “sopa de números” e, obviamente, não interessa. E por que não? Porque ela opõe objetividade a objetividade. Fez quantas salas de aula? Fez quantos hospitais? Quantos postos de saúde? Quantas vagas em creches. Ele não quer a comparação de sopas porque sabe que a dos petistas é mais cara e mais rala. Então, recomenda, a saída é fazer uma campanha “política”.

E o que ele chama de campanha “política”? A MENTIRA! Sim, a mentira. Frateschi está defendendo que os petistas passem a mentir deliberadamente, sustentando que Kassab está “privatizando a saúde” — uma estupidez — e que “vai entregar o transporte coletivo aos empresários”. A segunda acusação, então, é formidável porque tirada literalmente do nada. O fundo verossímil e falso da primeira está no fato de alguns hospitais municipais serem administrados — e muito bem — por fundações sem fins lucrativos.

O que o Sr. Fratechi está querendo é que, mais uma vez, a mentira seja usada como método para, bem..., para fazer o que se costuma fazer quando se mente: trapacear, ludibriar, enganar. A isso este valente chama “combate político”. Para ele, como se vê, a divergência de idéias e de propostas não tem o melhor valor. Na verdade, ela deve ser esmagada, suprimida pelas várias formas do falso. É uma fala indecente, Sr. Frateschi; asquerosa mesmo. Porque o Sr. não conseguirá apresentar evidências nem de uma coisa nem de outra.

Seria ele só uma voz destrambelhada do petismo de São Paulo? Nada! Vejam lá o cargo: ele é comissário de Organização do partido, membro do Diretório e da Executiva nacionais, um capa-preta poderoso na “organização”. A mentira como método — bem-sucedido, diga-se — foi empregada no segundo turno de 2006, quando o PT lançou o boato de que, se vitorioso, Alckmin privatizaria a Petrobras e o Banco do Brasil. O PSDB não deu uma resposta política a tempo, e restou ao candidato tucano vestir uma jaqueta cheia de logos de estatais.

Não, não estou sugerindo que a mentira, desta feita, se lançada, vá surtir algum efeito. Escandaliza-me é que o dirigente do maior partido do país, que está no poder, a assuma como método com tanta clareza, com tanta desfaçatez. E que nada se diga a respeito. Imaginem se o DEM saísse por aí afirmando que, se eleito, o PT vai confiscar casas de quem tiver mais de um imóvel para abrigar sem-teto. O mundo viria abaixo. Editoriais e artigos escandalizados apontariam a demonização de um partido pela, como é mesmo?, direita rancorosa. Já escrevi e reitero: não basta à esquerda reivindicar o monopólio da verdade; ela também quer ter o da mentira.

O evento, como circunstância, expõe um dado positivo sobre a candidatura Kassab? Acho que sim. Parece que está difícil combatê-lo no terreno dos fatos, das evidências, do que realmente diz respeito à vida dos paulistanos. Então se apela à mais desabrida mentira. Mas isso é só, como eu disse, circunstância. Na essência, tem-se aí a defesa da política como dolo, como engodo, como trapaça, como manipulação.

Na entrevista que dei a Edney Silvestre, da Globo News, lembrei a trágica herança em corpos deixada pela esquerda. Há grandes assassinos que não eram ou não são de esquerda. Mas me digam um apenas que seja usado como referência positiva, a não ser por alguns sectários malucos. Com a esquerda, é diferente. Até hoje, um Niemeyer, com direito a falar besteira além dos 100 anos, é ouvido como homem de respeito mesmo quando defende o stalinismo, que matou 35 milhões. O fato de os comunistas não estarem na mesma lata do lixo onde, com muita justiça, estão as várias formas do fascismo (inclusive alemão) é desses eventos que devem nos envergonhar. O que isso quer dizer? Que a morte foi alçada, no esquerdismo, à condição de uma teoria política e de instrumento da utopia.

A fala de Frateschi merece consideração análoga. Não, ele não é o primeiro político a propagar mentiras. O PT, está claro, não é a primeira legenda a preferir o oposto da verdade. Mas o petismo é único, sim, em transformar a burla num método, numa visão de mundo, numa escolha, numa, enfim, teoria política.

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