sexta-feira, agosto 15, 2008

E, NO ENTANTO, DILMA NÃO RESPONDEU

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Por Reinaldo Azevedo - 8 de maio de 2008- Veja

Caros, é um daqueles textos longos, muito longos, mas que considero necessários. Vamos lá.

O governo e parte da imprensa decretaram ontem a morte do caso do dossiê e espalharam pelos quatro cantos que renasceu na Comissão de Infra-Estrutura do Senado a candidatura de Dilma Rousseff à Presidência da República. É claro que se trata de um exagero tanto num caso como no outro. Como se temia um desastre — e basta ver o barulho que os governistas fizeram para tentar impedir a convocação da ministra —, um zero a zero já teria sido um grande resultado. Uma vitória, como aconteceu para a crônica política ao menos, passa por goleada.

Houve uma conspiração de elementos a favor da ministra, que conferem a seu desempenho, apenas mediano, ares de uma vitória épica. Cumpre que se faça aqui o elenco deles:


- a questão desastrada do senador Agripino Maia (DEM-RN);


-o despreparo de boa parte dos senadores, que não se prepararam para fazer questões realmente relevantes;


- as perguntas paroquiais envolvendo o PAC (muitos pareciam vereadores);


- o formato escolhido para as perguntas, feitas e respondidas em série. Quando os senadores partiam para a réplica, ninguém mais se lembrava da questão ou da resposta.


O conjunto da obra acabou resultando extremamente positivo para Dilma, sem que ela tenha conseguido responder a dois questionamentos cruciais. Vamos a eles primeiro.

O PAC não existe
A senadora Kátia Abreu (DEM-TO) desnudou o enigma do PAC. O programa se define melhor, de fato, como um “PACtóide”, apelido que dei ao marketing lulista desde o primeiro dia. O que isso quer dizer? Não existe dinheiro novo ou dinheiro extra no programa. Obras que demandam a execução do Orçamento — que estariam sendo feitas com ou sem essa marca — entram nessa categoria milagrosa. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) resumiu a coisa a contento: "o PAC não existe". Não existe também se formos verificar o percentual de investimentos públicos em relação ao PIB: 0,9%, marca atingida por todos os presidentes da fase democrática pré-Lula, exceção feita a Collor.

O caso da Petrobras é escandalosamente emblemático: as obras incluídas na rubrica do PAC, lembrou Kátia Abreu, estavam previstas no planejamento da estatal. Como observou o senador Valter Pereira (PMDB-MS), emendas parlamentares foram vetadas e depois clonadas pelo próprio governo para entrar na rubrica do... PAC. No ano passado, dos R$ 16 bilhões previstos para investimentos, executaram-se apenas 28%. E, para isso, Dilma não teve resposta. No andamento do depoimento, as intervenções lúcidas de Kátia Abreu e Tasso Jereissati se perderam.

Dossiê
Dilma Rousseff também não teve resposta para o dossiê. O desempenho espetacular cantado em prosa e verso não produziu uma miserável resposta nova ou esclarecedora. Nada vezes nada! Dilma negou, como sempre, a existência do dossiê — contra todas as evidências — e insistiu que a Casa Civil fez apenas um banco de dados. Abandonou, desta feita, teorias exóticas sobres invasão dos computadores do Ministério e lastimou o que chamou de “vazamento”. Mas foi incapaz de responder, de forma clara e peremptória, a uma questão: “Quem mandou, então, fazer o, vá lá, banco de dados?”

Mais uma vez, ficou claro — e me impressiona que os senadores não atentem para o vazio jurídico a respeito — que secreto é o que o governo considera secreto. E ponto final. Tanto é assim, que a ministra chegou a afirmar que está em entendimentos com o Gabinete da Segurança Institucional para que sejam considerados públicos os gastos de governos passados. Quer dizer que é o GSI e a Casa Civil que definem isso? Na prática, reitero, Dilma arbitra olimpicamente o que pode e o que não pode ser sabido. Preenche a lei que garante a segurança presidencial com o conteúdo que lhe der na telha.

Sobre tortura e mentiras
Dilma não respondeu, portanto, as duas perguntas realmente relevantes feitas pelos senadores. Mas, sem dúvida, foi um sucesso de crítica. E, então, começo a tratar dos fatores que contribuíram para isso. Tenho abordado amiúde o que ontem chamei aqui de “mito fundador” da esquerda que está no poder: a tortura. Observem como essa questão tem sido constantemente atualizada pelo governismo. Tarso Genro — que manda pôr algemas num arrozeiro, mas jamais molesta os terroristas que se dizem sem-terra e não produzem uma miserável saca de grãos (ao contrário, consomem dinheiro público) — anunciou com pompa o caráter itinerante da tal Comissão que distribui indenizações e pensões a três por quatro. No último caso escandaloso, um ex-terrorista e ex-auxiliar de Olívio Dutra, demitido durante o regime militar por abandono de emprego — não foi perseguição —, levou R$ 400 mil dos cofres públicos e uma pensão mensal de quase R$ 1,6 mil.

As indenizações já chegam a quase R$ 3 bilhões — e as pensões, a quase R$ 30 milhões por mês. É um acinte. Um verdadeiro escândalo. E esses números vão crescer. O grande público, claro, não sabe de nada disso. E a imprensa trata a questão com parcimônia e reverência. Como se todo indenizado tivesse sido torturado. Mas ainda: parece que a tortura confere santidade às vítimas, o que também é falso. E isso, obviamente, não implica anuência com a tortura. Sim, a indagação de Agripino Maia foi a mais desastrada possível. Permitiu a Dilma Rousseff exercitar o seu lado supostamente heróico. Ela foi vítima da tortura. E isso deve ser repudiado em qualquer tempo — e não consta que o senador tenha ali endossado o procedimento.

Dilma é uma política. Percebeu que poderia explorar o nefando para intimidar as oposições. E ela o fez com grande competência. Poucas pessoas conseguem mentir ou se calar sob tortura, que é o mergulho no horror. Os torturadores contam com a fragilização da vítima, acenando com a interrupção do suplício se houver “colaboração”. Não raro, o torturado diz o que sabe — e até o que não sabe. Muitas vezes, leitores mandaram comentários acusando este ou aquele de posarem de heróis, mas de terem delatado companheiros. Não publico essas coisas. Acho a proposição indigna. A tortura relativiza todos os absolutos.

Não tenho por que desconfiar de Dilma Rousseff, certo? Se ela, como disse ao exaltar o próprio heroísmo, conseguiu, sob tortura, mentir de forma deliberada para salvar a vida dos companheiros de antes e enganar os seus algozes, não poderia, sem tortura nenhuma, fazer o mesmo para salvar os companheiros de agora e enganar os senadores da oposição? A ministra demonstrou ali ter uma têmpera de aço, certo? Acredito nela. A minha indagação é puramente lógica: o que se faz, por necessidade, sob risco de vida, não se pode fazer, também por necessidade, sem nenhuma ameaça ou perigo?

Trata-se de lógica, mas de um pouco mais do que isso. Afirmar que o dossiê — e era um dossiê — não passava de um banco de dados, que vazou da Casa Civil e teve como vítima principal a própria ministra, não passa, com a devida vênia, de uma MENTIRA que se conta no Senado. E em plena democracia. E, felizmente, sem tortura. Democracia que não foi construída por quem optou pelo terrorismo.

Estado lastimável
É certo que a própria oposição poderia ter-se preparado melhor para o embate — fazendo a chamada lição de casa, se me permitem o clichê, como Kátia Abreu e Tasso fizeram nas questões relativas ao PAC. Exceção feita à “resposta emocionada” sobre a tortura, a ministra só crescia quando alardeava os feitos do programa, discutindo essa ou aquela obras. Reitero: não houve uma só resposta convincente ou mesmo lógica sobre o dossiê.

Mas aí contaram a favor dela o formato da audiência — não poderia ter sido mais confuso — e o estado lastimável do Senado, com as exceções de praxe. E olhem que estamos falando da Casa mais vetusta do Congresso, que já teve algumas das figuras notáveis da história do Parlamento. A cada vez que um senador entrava no mérito da obra daqui ou dali, quase mendigando a atenção da Toda-Poderosa para a sua aldeia, a República se encolhia um pouco; o Legislativo se acanalhava um tanto: timorato, pidão, mesquinho, envergonhado. Um implorava esta barragem; outro queria aquela ponte; um terceiro falava do porto de não sei onde; um quarto, da estrada daqui, da ferrovia dali, do mimo de acolá.

Bobo da corte
O auge do constrangimento foi quando Wellington Salgado (PMDB-MG), aquele do cabelão acaju, o piloto de prova da Koleston, com seus óculos de gatinho idoso, tentou presentear a ministra com um colar em homenagem ao Dia das Mães — e ela, disse o dono de uma rede privada de ensino, acusado de sonegação e fornecedor de bolsas do ProUni, é a mãe do PAC.

Salgado é um dos suplentes que assumiram a vaga do titular — no caso dele, de Hélio Costa, ministro das Comunicações. Não recebeu um miserável voto para submeter o Senado àquele vexame. Comporta-se como bobo da corte, mas não é do tipo que rasga dinheiro. Basta ver como se expande o seu negócio, a Universidade Salgado de Oliveira. Para o ramo em que ele atua, com efeito, nunca houve dias tão favoráveis. Daí que ele não tenha perguntado nada. Só fez os encômios de rigor ao governo e à ministra e tentou lhe oferecer um mimo.

Concluo
E assim foi. Não sabemos hoje sobre o dossiê mais do que ontem. O PAC está empacado como sempre esteve. O que se pode dar como certo é que a ministra, se quiser, consegue mentir até sob tortura. Elogio o seu caráter por isso. A tortura ofende a civilização. A mentira só é ofensiva nas democracias.

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