sexta-feira, agosto 15, 2008

REFERENDO EM SANTA CRUZ: CRÔNICA DE UMA VIAGEM À “MEIA LUA” BOLIVIANA

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Alberto Aprea

observador independente

Tradução: André F. Garcia

O que se segue, é um relato sobre o referendo realizado em Santa Cruz no dia 5 de maio, fruto de observações feitas por mim no fim de semana que passei nessa cidade. Passarei a comentar o que lá vi e ouvi.

Na manhã do domingo, dia da votação, percorri vários centros de votação do centro da cidade e conversei com algumas pessoas sobre o evento, entre elas Jorge “Tuto” Quiroga, que foi o vice de Hugo Banzer, até que este, por problemas de saúde, renunciou e ele assumiu como Presidente.

Ao ver que tudo ali se passava com tranqüilidade, ao meio-dia me dirigi a um bairro periférico, chamado “Plan 3000” (260.000 habitantes). Segundo a opinião geral, é um reduto do MAS (Movimento ao Socialismo) que apóia Evo Morales. Esses ativistas se propunham impedir a votação inclusive de forma violenta. Ao chegar nesse bairro, o táxi no qual eu estava foi parado, e o motorista recebeu a sugestão de dar meia volta.

Saí do táxi, e comecei a caminhar a pé em direção ao centro do bairro, por uma espécie de avenida de terra. Poucas quadras depois, percebi ambulâncias em estado de espera. Ouvia-se grande quantidade de estampidos. No início, pensei que se tratava de disparos de armas de fogo; mas, ao me aproximar, pude ver que se tratava da polícia nacional, vinda de La Paz. Lançava gás lacrimogênio contra os agitadores do MAS, cerca de 500 a 800, que queriam invadir os colégios onde se realizava a votação.

Esses locais de votação estavam defendidos por gente do bairro favorável ao referendo, e por uma numerosa legião de jovens de 14 a 20 anos, pertencentes à “Unión Juvenil Santacruceña”, também armados com pedras, paus, bombas de estrondo etc. (alguns tinham paus com correntes presas na sua ponta, outros tinham barras de ferro com uma ponta e gancho em uma de suas extremidades).

Esse grupo defendeu um dos colégios com mais seções de votação, nas várias ocasiões em que tentaram invadi-lo os agitadores do MAS que portavam paus e estrondosas bombas de artifício etc. Foi muito interessante ver a defesa do colégio, atacado por três frentes diferentes. Os mais jovens empurravam os demais, e iam correndo adiante, na direção em que vinham os atacantes, gritando “não temos medo de vocês”. Graças a essa defesa ele não foi tomado pelos agitadores; as atas de votação foram levadas em um veículo, acompanhado por outros automóveis e por um caminhão cheio de jovens em sua carroceria, armados de paus, pedras etc. Essas medidas preventivas foram tomadas por causa do “juramento” que os agitadores do MAS haviam feito na rotatória, centro da agitação, distante uns 800 m do colégio.

Antes de passar pelo colégio, decidi me aproximar da praça da rotatória, de onde partiam as ordens para o deslocamento dos agitadores. Ali se revezavam os oradores, muitos deles vindos de La Paz . Os discursos revolucionários davam a impressão de me encontrar em um país comunista. Inclusive entoavam cantos que pregavam a guerra civil, exaltavam a disposição de derramar o próprio sangue e bravatas desse naipe. Digo bravatas, porque nas várias ocasiões em que pretenderam se aproximar de alguns colégios, acabaram evitando o choque com os defensores.

Note-se que, num bairro com 260.000 habitantes, os agitadores não passavam de 800 a 1.000 pessoas, muitos deles trazidos de La Paz. Também se podia perceber muita gente nas redondezas, que olhava, mas não participava da agitação. Decidi fazer um teste: fui comer uma carpa, num local situado a 30 metros da rotatória. Sentei-me entre vários comensais. Resultado: todos me trataram com toda a naturalidade e respeito.

No final da votação nesse bairro, entrei em um dos ônibus que levavam pessoas para proteger um outro local de votação, a uma distância de 4 ou 5 km, onde os agitadores estavam impedindo a saída das atas. Cerca de 300 m antes de chegarmos, a polícia parou os ônibus, nos fizeram sair deles, e tomaram todos os paus, pedras, bombas de estrondo etc., num claro intento de desarmar os que tinham vindo desimpedir a saída das atas. Os ocupantes dos ônibus manifestaram verbalmente aos policiais (vindos de La Paz) seu vivo desagrado. Quando começaram a formar uma coluna em direção ao local de votação, receberam a informação de que a saída das atas havia sido liberada por outro grupo que chegou por outro lado ao colégio.

Conto todos esses pormenores para que se possa sentir o clima de reação e mobilização que se criou em torno do referendo.

De volta ao centro da cidade, vi que a praça principal começava a se encher de gente, já estavam sendo divulgados os resultados das primeiras pesquisas de boca de urna que davam ampla vantagem ao “Sim”. Resultados parciais foram divulgados próximo à meia-noite. Nessa hora, a praça estava lotada. Considerando suas dimensões de 150m x 150m, com 3 pessoas por metro quadrado, haveria ali aproximadamente 67.000 pessoas.

Quando o prefeito, Rubén Costa, fez de passagem uma referência à luta contra o “marxismo” do governo central, houve aplausos e vivas; entretanto, mais adiante, disse que “a verdadeira revolução socialista se constrói”, e nesse momento houve um silêncio quase total na praça. Provavelmente algumas pessoas que estavam ali se deram conta de que certos líderes não são confiáveis.

Em resumo, tive a impressão de que nessa região – habitada por uma mescla heterogênea de pessoas, mas com uma mesma atitude de alma – há muito campo para uma ação anticomunista esclarecedora. Se eu tivesse que dar um conselho para os moradores dos departamentos onde também haverá referendo, eu insistiria que fossem votar, porque muitos dos que se abstiveram em Santa Cruz teriam votado pelo “sim”, se não tivessem pensado que o triunfo estava assegurado e que não valia a pena votar. Por ora, parece que toda essa gente do Oriente boliviano (a meia lua) está disposta a levar as coisas tão longe quanto as circunstâncias o exijam.

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